São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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Caixa 2 vai para a conta "laranja"

DA REPORTAGEM LOCAL

As portas vão sendo fechadas, mas sempre se encontra um jeitinho. Acabou o fundo ao portador e procura-se criar um cerco às contas fantasmas. A válvula de escape encontrada para abrigar a movimentação do caixa 2, agora, é a conta laranja. O esquema é simples e descarado. O empresário empresta o CIC e o RG de um funcionário e abre uma conta corrente com os dados. A assinatura é feita pelo empresário mesmo.
Tenta-se num banco, não dá certo. Mas uma hora passa. Da mesma forma, continuam sendo utilizadas contas de pessoas que já morreram. Um empresário que mantém quatro contas correntes -uma em seu nome, outra na de um funcionário e duas com a titularidade dos avós, todos mortos- explica que o exemplo dado por importantes políticos brasileiros incentiva a ação de todos.
"O pensamento é simples", conta ele, dono de várias lojas em Shopping Centers. "Se não fizer, perco dinheiro para o governo. Se eu sonegar, posso perder dinheiro se for descoberto. Então sonego, que é a opção menos ruim."
Segundo Márcio Orlandi, dono da empresa de consultoria Fundamental Research, não há como fugir da realidade. "O cambalacho existe porque se o empresário seguir a lei ao pé da letra, pode perder o lucro pagando impostos", diz. "Quando a carga é absurda, sempre se encontra alguma coisa para eliminar isso. O problema é que se colocam o imposto razoável e o irracional no mesmo saco."
O fruto financeiro desse movimento perambula para lá e para cá, só que não contribui para o bem estar coletivo, segundo o advogado Ary Oswaldo Mattos Filho. Toda vez que o cidadão cria um cruzeiro real sonegado, ele gera uma massa que não serve para agregar riqueza ao país.
"É só olhar em volta da gente", diz Mattos Filho. "São muitos sinais exteriores de riqueza para tanta miséria." O fato é que a sonegação de impostos cria uma cadeia de produção paralela que não gera distribuição da riqueza produzida.
Se alguém vende sem nota, ou com o valor registrado pela metade, quem compra o produto dele também fica sem receber o recibo. Quem vendeu a matéria-prima também tem de entrar nessa cadeia. Um empresário do setor industrial, por exemplo, compra sempre com desconto. A contabilidade registra o valor total, e a diferença chega ao seu bolso por fora.
Esse dinheiro clandestino chega ao banco, o ente social que liquida as operações financeiras da economia, e ele se torna seu guardião. "Se acabar o sigilo, haverá uma barbaridade de dinheiro fugindo para o dólar, ouro e outros ativos reais", afirma Mattos Filho.

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