São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Operação que dribla Receita é feita por fax

NILTON HORITA
DA REPORTAGEM LOCAL

A onda do momento entre os sonegadores é a "bicicleta". A operação é feita na hora, por fax. O interessado deposita cruzeiros reais no Brasil e recebe, na mesma hora, o equivalente em dólares no exterior. Com os dólares compra uma empresa em algum paraíso fiscal (países que tem sua receita na oferta de serviços desse tipo) e a movimentação é feita em seu nome.
A operação também é montada com dinheiro legal. Já o transporte do lucro desonesto encontra vários caminhos. Um deles é o depósito de um cheque com o valor em cruzeiros reais numa conta corrente no Uruguai. Lá, o cheque é trocado por dólares. O cheque volta em seguida e é descontado por um "laranja". Localizar um parente no exterior também serve: o dinheiro é remetido legalmente na forma de doação. Alguns operadores das Bolsas vivem de vender lucros obtidos no pregão.
"A população brasileira não é formada por escoteiros e congregados marianos", afirma o advogado Ary Oswaldo Mattos Filho. "Por isso, se a alíquota total caísse para algo como 25%, a arrecadação aumentaria uma barbaridade", afirma. Explica-se: o preço de pagar imposto passaria a competir com o custo cobrado pela indústria da sonegação.
O ranger de dentes do secretário da Receita Federal, Osiris Lopes Filho, contra os sonegadores, não afeta o sucesso do setor. "O brasileiro baseia a sonegação na falta de capacidade da Receita em fiscalizar", afirma o advogado Sérgio Eskenazi, do escritório Eskenazi e Pernidji. "É tão pouco provável ser fiscalizado que o pessoal sonega mesmo. Hoje, as pessoas estão mais cuidadosas, e só."
A fórmula preferida para cobrir o dinheiro sonegado da Receita é a constituição de uma empresa em algum país com regime de paraíso fiscal. Esses países que garantem a privacidade do cidadão permitem esconder o proprietário de verdade da companhia.
Hoje, nove em cada dez interessados em comprar uma sociedade com este perfil escolhem as Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe. Em outros tempos, a sedução recaia nas Ilhas Cayman, Panamá ou Uruguai. Perderam o charme.
"Esse tipo de empresa foi inventado pelos europeus, mais especificamente os suíços", explica Sérgio Eskenazi. "Um paraíso fiscal é um território independente, sem economia interna. Por isso, sobrevivem de vender serviços financeiros."
Escritórios especializados possuem um estoque de empresas prontas para serem vendidas. No estatuto da companhia, o dono não aparece. Existe apenas a figura de um procurador responsável, o testa-de-ferro.
O pacote é completo. Dependendo do preço, a empresa pode ser vendida com a sociedade já constituída, diretores nomeados e seu nome definido.
Uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas pode chegar a custar US$ 4 mil. A preferência se voltou para as Ilhas Virgens Britânicas por causa da estrutura legal do país, totalmente inspirada no modelo inglês. "Preserva-se o direito à privacidade", explica Eskenazi.
O Panamá saiu da lista de paraíso mais procurado pelos investidores internacionais por causa dos conflitos com os Estados Unidos. Há um risco de jurisdição. Do Uruguai, reclama-se do excesso de burocracia e da lentidão oficial.
As Ilhas Cayman são consideradas ideais para quem quer abrigar dinheiro com origem justificada. Suas leis são mais rígidas e por isso os investidores que buscam esse país são mais conservadores.
"Os Estados Unidos aprenderam a conviver com os paraísos fiscais, pois sabem separar o legítimo do ilegítimo", afirma Eskenazi. "O Brasil ainda precisa adaptar as leis para os tempos de abertura econômica. O câmbio é hoje praticamente livre, mas o delegado e o fiscal da Receita ainda não sabem disso." (Nilton Horita)

Texto Anterior: DRTs não têm estrutura
Próximo Texto: Caixa 2 vai para a conta "laranja"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.