São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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Que fazer diante da proposta Gore?

ANTONIO KANDIR

Logo após a aprovação do Nafta no Congresso norte-americano, o vice-presidente dos Estados Unidos, Albert Gore, lançou a proposta de uma Conferência de Cúpula dos países democráticos das Américas em 1994, como primeiro passo para uma eventual e futura integração hemisférica.
Muitos vêem na proposta Gore apenas jogo de palavras. Argumentam que ela foi expressa em termos muito vagos, que não define caldendário nem procedimentos. Ressaltam ainda a improbabilidade de vir a ocorrer um alargamento do Nafta, ao menos não a ponto de conformar uma zona de livre-comércio englobando as três Américas, chamando a atenção para resistências de determinados setores da economia americana mais sensíveis a uma integração ampliada.
São todos argumentos ponderáveis, mas a questão é saber quais seriam suas implicações prática. Deveria o Brasil fazer eco à proposta Gore ou fingir-se de desentendido? A resposta depende do que se pense quanto a existir ou não interesse estratégico do país em incluir a integração hemisférica em seu horizonte de longo prazo.
Não devemos retardar muito essa resposta, quando mais não fosse porque em breve virá ao Brasil o secretário de Estado norte-americano, Waren Christopher, sendo de supor que a proposta Gore será tema de suas conversações.
A meu ver, sobram argumentos em favor de que o Brasil dê sinais claros de interesse nessa integração. De saída, não se pode perder de vista o potencial de comércio que geraria. O Nafta, na sua conformação atual, abriga um PIB conjunto da ordem de US$ 6,5 trilhões. Ampliado, abrigaria um PIB conjunto da ordem de US$ 7,3 trilhões, maior que o da CEE (US$ 5,8 trilhões) e praticamente o PIB conjunto de todos os demais países do mundo (US$ 7,6 trilhões, excetuando-se os países da CEE).
Isso não significa que o Brasil deva abandonar o multilateralismo, reforçado pelos resultados da Rodada do Uruguai, e os esforços para constituir o Mercosul. Significa apenas que, se fizer ouvidos moucos à proposta Gore, estará dando as costas a um mercado que ultrapassa em doze vezes o Mercosul, ficando sem engate em nenhum bloco de importância, num momento em que não se sabe ainda qual o padrão que deverá imperar a longo prazo nas relações econômicas internacionais.
O risco dessa falta de engate é agravado pelo fato notório de que alguns de nossos vizinhos, inclusive e sobretudo a Argentina, nosso principal parceiro no Mercosul, almejam integrar-se ao Nafta e vêm fazendo gestões nessa direção.
Virar as costas a uma eventual integração hemisférica não seria aconselhável a quem precisa e se empenha por atrair investimentos produtivos. Na perspectiva dos investidores, a rejeição de trabalhar pela integração faria acrescer o risco de aportar recursos ao Brasil, por reforçar a ameaça do isolamento comercial, na hipótese de que as relações multilaterais se deteriorem e os blocos venham a se tornar fortalezas fechadas ao exterior (risco que não se pode descartar de modo algum, em especial no caso do bloco europeu, às voltas com uma integração complicada e sempre a mercê de eventuais retrocessos na ex-União Soviética).
É evidente que a busca de uma integração acelerada e a todo custo é tola e nociva aos interesses nacionais. Provavelmente resultaria na destruição de setores inteiros da indústria brasileira que hoje não têm condições de competir com a produção manufatureira norte-americana.
Mas como as decisões de hoje condicionam o futuro, é preciso olhar o problema numa perspectiva dinâmica. Se a casa for arrumada ainda este ano e a revisão constitucional promover avanços, o país tem tudo para retomar o crescimento sustentado a partir de 1995. E o crescimento e as possibilidades de melhorar o quadro social do país serão tanto maiores quanto maiores as perspectivas de integração do Brasil em mercados dinâmicos e ampliados.

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