São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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A Justiça e o nosso futuro

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Até há bem pouco tempo, avaliar a Justiça era um empreendimento impensável. Ninguém ousava. Nem mesmo os pesquisadores. Hoje, o quadro é outro. O assunto faz parte do cotidiano. A imprensa destaca seguidamente as ineficiências dos tribunais. O Congresso Nacional abriga dezenas de propostas de controle externo do Poder Judiciário.
Os últimos anos têm aprofundado a distância entre o que o povo espera da Justiça e o que ela realmente pode dar. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope no início de 1993, para quase 90% dos brasileiros, o cidadão comum não pode contar com a Justiça porque ela é demasiadamente lenta. Na Justiça do Trabalho, é comum um processo demorar sete anos, quando as partes recorrem a todas as instâncias.
Os profissionais da área também reconhecem o problema. O Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo acaba de revelar o pensamento de 570 juízes sobre a matéria. Para 77%, o Poder Judiciário passa por uma forte crise. A morosidade, em particular, é atribuída: 1) ao alto número de recursos; 2) às ações dos advogados; 3) ao interesse das partes na postergação das decisões.
As causas, dessa forma, estão ligadas ao modo de se praticar a Justiça. Seria normal, portanto, esperar dos entrevistados várias sugestões para simplificar o processo. A pesquisa diz que eles mesmos estão insatisfeitos com os procedimentos atuais. As suas propostas, entretanto, enfatizam o aumento de meios para os tribunais –em especial, nos campos da informática e do pessoal. Melhorar a informática sem dúvida é necessário, o que, no meu entender, deveria redundar na diminuição do pessoal e aumento da eficiência.
Não gosto da idéia do controle externo. Isso dá ensejo a interferências indevidas. Por outro lado, não se pode pretender resolver essa crise com um mero aumento de recursos. O próprio diagnóstico dos juízes sugere a necessidade de se investir na simplificação da parafernália atual e no aperfeiçoamento dos procedimentos de autocomposição entre as partes.
Talvez um engenheiro como eu devesse ser o último a palpitar sobre esse assunto. Mas sinto que o Brasil precisa inovar muito no campo dos mecanismos que induzem o acerto direto entre as partes. É isso que faz aumentar a capacidade de a sociedade digerir seus problemas e reduzir o espírito adversário entre os cidadãos.
A questão do controle externo é absolutamente secundária, em face da fantástica necessidade de simplificar a Justiça e criar instituições de autocontrole em nossa sociedade. Muitos dizem que os profissionais da área serão os últimos a querer mudar o "status quo", porque, em última análise, eles derivam seu poder do conflito e da demora. Não acredito nessa tese. Estou seguro haver entre nós um grupo expressivo de professores patrióticos e magistrados competentes para propor aos legisladores os dispositivos que efetivamente reduzem os conflitos e promovam a autocomposição entre as partes. O nosso futuro está em suas mãos. É deles que devemos esperar as propostas para simplificar a Justiça e aumentar a sua eficiência.

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