São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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Janaina A TODA

Por Marcelo Tas

MARCELO TAS
ESPECIAL PARA A REVISTA DA FOLHA

Fotos Luciana Whitaker
Pelas fotos se vê o óbvio. Janaina se parece com a mãe dela, a atriz Leila Diniz - a mulher que alegrou e chacoalhou o coreto do Brasil até desaparecer aos 26 anos num acidente aéreo em 1972, na India. O que não dá para ver pelas fotos é que ao vivo, misteriosamente, Janaina se parece mais com Regina Casé do que com a própria mãe. Ou será que é a Regina que se parece com a Leila? De qualquer maneira, bastam alguns segundos de conversa para elucidar o mistério. Na verdade, Janaina se parece mesmo é com "Nardja Zulpério", a personagem over-hiper-atarefada que Casé interpreta na sua mais recente peça teatral.
Aos 22 anos, Janaina é uma fortíssima candidata ao Prêmio Nobel de Física. Tenta, ainda sem sucesso, compactar o número de segundos que existem no minuto. "O dia não vai ter mais que 24 horas, então eu tento diminuir o tempo de tudo para caber mais coisa", explica sua tática, falando rapidamente, com voz rouca e grave. Nos dias que correm, e como correm, ela atua em duas peças juvenis vespertinas, ensaia uma terceira peça adulta duarante o dia (e às vezes, durante a madrugada), eventualmente produz espetáculo de dança de salão com o ex-professor Carlinhos de Jesus para alavancar os rendimentos do mês. Ainda faz participações na Campanha do Betinho, em curtas e videoclipes como trapezista (ela também é de circo!); e ainda reserva sobras de minutos para tarefas igualmente fundamentais: namorar e programar uma inesgotável agenda de encontros com uma legião de amigos pela cidade do Rio de Janeiro. Ufa!
"Eu voltei para o Brasil a toda", reconhece a veloz Janaina. Até 1992, ela levava uma vida nômade. Alternava a vida escolar no Rio com viagens pelo mundo com o pai, o cineasta Ruy Guerra. Começou cedo. Com um ano e alguns meses, aprendia a andar em torno da mesa onde Guerra discutia roteiros com Mario Vargas Llosa, em Barcelona. Depois, frequentou filmagens e moviolas em Paris, Moçambique, Estados Unidos e grande parte da América Latina. A última escala foi em Cuba. Ruy filmava um documentário para a TV espanhola. Enquanto isso, Janaina fazia cursos de teatro, um pequeno papel num curta e ainda uma oficina de cinema na "Escuela Internacional de Cine y Television", com o escritor Gabriel Garcia Marquez (que ela já conhecia desde os 2 anos de idade, de outras andanças).
Agora ela voltou para o Brasil "a toda", como já disse, e Ruy Guerra foi para Portugal. "Ele está adaptando 'Estorvo' para o cinema", revela Janaina sem rodeios. Hoje no Rio, Janaina conserva tiques de sua vida globetrotter anterior. Pula de lá pra cá no seu Escort 88, para dar conta das duas peças em cartaz: "Despertar", no Teatro Casa Grande, Leblon, e "Barrados no Baile", no Barrashopping, na Barra da Tijuca. E dos ensaios em Copacabana de "O Terceiro Sinal", peça adulta que estréia em março.
O périplo não pára aí. Para dormir, Janaina tem diferentes "pousos" pela cidade, além do seu próprio apartamento. Um dos "pousos" mais frequentes é a casa de Chico Buarque e Marieta Severo, na Gávea. "Ouvi o choro do parto antes do próprio pai", conta Marieta, na época a melhor amiga de Leila Diniz. Quando Leila morreu, Janaina tinha apenas 7 meses. Naturalmente, cresceu como uma irmã do meio das três filhas do casal Buarque de Hollanda: Sílvia, 23; Helena, 21; e Luiza, 18. Pelo jeito, Marieta é uma espécie de "mãe de fato". Mas Janaina prefere evitar o assunto. "Para que minhas outras 'mães' não se ofendam", pondera. Entre as outras "mães", além das tias Lígia, Baby e Regina - irmãs de Leila - ainda figura Sueli, ou Neni, babá que Janaina sequestrou da casa dos avós maternos e até hoje supervisiona de longe a vida dela. Para a posição de "mãe oficial" prefere colocar na pole-position o próprio pai, o cineasta Ruy Guerra.
Ao contrário da mãe - responsável por uma das entrevistas mais retumbantes da tão famosa década de 60 (ao jornal ipanemense "Pasquim", em 1969), Janaina não tem a língua solta. Questiona e analisa tudo o que passa pela cabeça antes de deixar sair pela boca. De bate-pronto, se recusa a dizer até o nome do namorado: Max, 21 anos, filho de Djavan. "É para encontrar a melhor palavra", disfarça com diplomacia. Sua língua com cinto de segurança é um desafio para o repórter. A lógica matemática e a oratória envolvente receberam treinamento intensivo em anos de militância no movimento estudantil carioca. Janaina já foi chefona da AMES - Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas. E depois da OJL - Organização da Juventude Pela Liberdade, uma dissidência juvenil do PC do B. Organizou greves, passeatas e outras manifestações mais criativas. Como no dia em que conseguiu, com seus "companheiros", é claro, deixar o colégio Ceat, em Santa Teresa, vazio e cercado por um cordão de alunos.
Mas a rebeldia profissional de Janaina começa ainda mais embaixo. Pré-adolescente, passou uma temporada inteira trancada dentro do quarto. Buscava algo que não conseguia encontrar dentro daquele quarto. Até que um dia abriu a porta, caminhou em direção ao pai muito séria e decidida e disse: "Pai, quero que você me explique, a fundo, o que é ser comunista. Porque tenho a impressão de que eu sou uma comunista, mas não tenho certeza". Ruy Guerra tentou uma resposta simplificada, que ela não aceitou. Então o pai tentou com o livro "Princípios Elementares da Filosofia", de Politzer. Para ela também não foi suficiente. Na semana seguinte, Ruy viu a filha entrar em casa com todos os volumes de "O Capital" debaixo do braço. Janaina faz questão de frisar que até hoje não perdeu a indignação. "Acho que está tudo errado nas escolas, no Brasil e no mundo. Só mudei a minha maneira de atuar", avisa.
É noite de domingo e conversamos na sala do seu apartamento de dois quartos, na Gávea. Como a secretária eletrônica de "Nardja Zulpério", a de Janaina acusa várias chamadas acumuladas sem resposta. Um dos recados é uma súplica do "melhor amigo" Zé Ricardo: "Jana, por que você não me liga?... (pausa). Estou mal, à beira da morte... (pausa) Se você não me ligar hoje, agora... não vai dar tempo nem para uma última despedida... ahhhhhh!" Exausta, depois de um dia infindável, ela diz que ainda precisa "limpar a secretária" e planejar entre outras coisas a ida com o Zé Ricardo até o subúrbio da Abolição, para participar de um "Baile de Charme" (uma versão não-violenta, dançante e sensual, dos bailes funks cariocas); precisa passar um fax para o Jonas Bloch, diretor da atual montagem que ela está ensaiando, comentando o ensaio e se desculpando por ter se atrasado naquele dia; e ainda se der tempo pretende tentar articular uma galera para ir ao Canecão, ainda esta noite, pegar o finalzinho do show "ParaTodos", de Chico Buarque. Uma das filhas do próprio Chico, Luiza, aparece por encanto e convence a semi-estressada Janaina a desistir da empreitada e ir dormir na casa dela. Ufa! Assim conseguimos terminar nossa conversa. Sem "limpar a secretária" e sem escala no Canecão.
CLIP
AGENDA
Nome completo: Janaina Diniz Guerra
Apelido: Jana
Data e local de nascimento: 19.11.71, Dia da Bandeira, Rio de Janeiro
Nome do pai e da mãe: Leila Roque Diniz (morta em 1972), Ruy Alexandre Guerra Coelho Pereira
Irmãos: Dandara Ohana Guerra ("irmã de sangue, tenho outras de coração")
Namorado: Max Viana, 21
Signo solar, ascendente: Escorpião, Escorpião
Formação: "Carne e osso"
Altura e peso: 1,62 m; 50 kg ("emagreci dois quilos")
Religião: Flamengo
ROTEIRO
Lugar de que mais gosta no Rio: Maracanã
Lugar que mais detesta no Rio: São Januário (estádio do Vasco da Gama)
Dia de chuva: "Jogar 'Imagem e Ação' com os amigos, ver vídeos debaixo do cobertor"
Lanchonete: BB Lanches, no baixo Leblon
Bar: Nenhum
Baile: "Charme, no Clube Vera Cruz, na Abolição"
Melhor galera: "Atrás do gol, entre a Raça e a Torcida Jovem" (torcidas organizadas do Flamengo)
Evitar: "Feijão com Leite Moça, mas o Moreno Veloso come"
Como não ser assaltado: "Dando sorte"
COMPROMISSO
Guru: "A palavra guru me traz muito a idéia de 'sim, mestre'. E 'sim, mestre' é o escambau. Odeio submissão"
Mito: "Minha mãe, porque é alguém que eu admiro e inatingível"
Por que chorou a última vez? "Morte da minha vó Ernestina, que na infância eu chamava de vovó Nestlé porque me dava muito chocolate"
Faz ou fez análise? "Nunca"
Livro de cabeceira: "Dicionário de Sinônimos. Sempre me interrompo buscando uma palavra, não gosto de falar por aproximação"
Melhor político: "Um que tenha jogo de cintura sem sair dos seus princípios. E de esquerda"
Pior político: "Aquiele que não ouve o povo. Existem aos milhões"
Partido: "Os de esquerda, unidos"
BIORRITMO
A que horas dorme e acorda? "Sempre depois das 2h da madrugada; daí eu levanto às 10h30, depois de vários toques do despertador automático"
Terapia: "Ouvir som muito alto"
Mania: CD
Como cuida do corpo: "Dançando"
Qual a parte do corpo que você acha mais esquisita? "Coração"
Qual a parte do corpo que é nota 10? "Ia botar cérebro, mas aí fica muito metida"
Sinal físico característico: "Dentuça"
Usou aparelho de dentes na Infância? "Eu uso"
Qual a peça de roupa de que mais gosta? "Meia"
Onde corta o cabelo: "Eu mesma corto"
Perfume: "Não tenho interesse em divulgar"
Batom: "Shiseido"
Acessórios: "Boné e laço de fita"
PROGRAMA
Viagem: "Cuba (Praias de Caradero e Caio Largo)"
Passeio: "De bicicleta, com a Lelê (Helena Buarque de Hollanda)"
Melhor coisa da TV: "Desenho da Felícia, no 'Tiny Toon', da TV Colosso'"
Cantor e cantora: "Cantor tem vários; mas cantora é a Maria Carey"
Ator e atriz: "Ator tem vários, mas atriz é a Irene Papas"
Diretor de Cinema: "Buñuel"
Homem que admira: "Meu pai"
Mulher que admira: "Meu pai"
Melhor amigo: "Zé Ricardo, mas não tem só o Zé, não"
Melhor amiga: "É difícil, as minhas melhores amigas são quase irmãs"
PAPO CABEÇA
Tem medo da morte? "Tudo na vida é tão bem-solucionado, o nascimento é tão bem solucionado. Acho a morte uma péssima solução para o fim da vida"
Feminismo: "Educação sexual nas escolas para homens e mulheres"
Virgindade: "Ah, depois de uma certa idade, um atraso de vida"
Toma ou tomou drogas? "Ah, que pergunta..."
Homossexualismo: "Opção de amor que eu respeito, embora não seja a minha"
Aborto: "Vamos por ítens; 1. indústria cuja clandestinidade interessa ao sistema; 2. direito de decisão da mulher"
Pensador: "Gabriel, mas não gosto dele se auto-intitular 'O Pensador'. Me dá uma certa implicância esse 'O' na frente. Ele é apenas 'um' pensador"
LIBIDO
Homem bonito: "Chico Buarque"
Símbolo sexual: "Keane Reaves"
Primeiro beijo: "O primeiro eu não lembro, mas pode fingir que é o do Max"
Primeira vez que transou: "Ah, isso eu não tenho interesse em divulgar também não"
Afrodisíaco: "Musica suingada"
Tara: "Biscoito de chocolate São Luís"
É romântica? "Raramente, eu não gosto de nada muito meloso"
Que presente alguém deve dar para te conquistar? "Adoro qualquer presente, presentinho, presentão, mas para conquistar são outros quinhentos"
Amar é..."Assim com reticências no final é... cafona"
JANAINA POR
RUY GUERRA., 62, cineasta (pai):
"Ela tem muita coisa da Leila: alegria, vitalidade, intensidade. Mas, a Leila tinha pudor de parecer séria, responsável. A Janaina não tem esse pudor."
LÍGIA DINIZ, 42, psicóloga (tia):
"Eu e a Jana ficamos órfãs juntas. Ela cresceu como uma espécie de irmã mais jovem. Sempre fizemos tudo juntas, sem os limites de mãe ou tia. Como passar a noite em claro, conversando ou vendo TV."
ZÉ RICARDO, 23, vocalista da Banda Fibra (melhor amigo):
"Ela é uma das pessoas com mais pique que eu conheço. É minha parceirinha para programas que patricinha não gosta: Flamengo no Maracanã, ensaio da Mangueira, Baile de Charme no subúrbio..."
MARIETA SEVERO, 47, atriz:
"Somos tipo mãe e filha. É encantadora, inteligente. Adoro sua companhia. É uma boa escorpiana."
DANDARA OHANA GUERRA, 10 (irmã):
"Ela é legal".
CRISTIANO CUNHA, 18, contra-regra de Barrados no Baile: "Ela Chega em cima da hora."

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