São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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Peso do preconceito surpreende Lula

CARLOS EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Se não conseguir chegar ao segundo turno amanhã, Luiz Inácio Lula da Silva pode encerrar sua carreira de concorrente a cargos majoritários.
Lula surpreeendeu-se, na atual campanha, com o peso do "preconceito", que julga ser um dos motivos de sua queda eleitoral.
O discurso que o candidato está fazendo nos últimos dias é resultado dessa avaliação que faz do processo eleitoral.
O petista, em algumas conversas com amigos, chegou a creditar sua derrocada nas pesquisas mais ao preconceito contra sua baixa escolaridade do que à aprovação popular ao Plano Real, que alavancou o crescimento eleitoral de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Há cerca de 40 dias, depois de analisar pesquisas qualitativas encomendadas pelo PT, Lula percebeu que a restrição de parcela ponderável do eleitorado ao seu nome não poderia ser superada no pouco tempo que restava de campanha.
"Sou vítima de preconceito desde 82", queixa-se Lula, referindo-se ao ano em que disputou pela primeira vez um cargo majoritário (governador de São Paulo).
Naquela campanha, o slogan petista pedia o voto "num brasileiro igual a você". O eleitorado paulista optou majoritariamente por Franco Montoro (PMDB), um professor universitário já de longa carreira política.
Na atual disputa, Lula acreditou que poderia superar a hostilidade de uma parcela importante do eleitorado –a rejeição ao candidato petista varia em taxas próximas a 40%, segundo o Datafolha– tomando alguns cuidados.
Fez um "curso intensivo" de números sobre a realidade brasileira, aparou a barba, dialogou à exaustão com empresários, melhorou seu português etc.
Inútil. Há cerca de três meses, na cidade paulista de Marília, Lula sentiu claramente que a lacuna da escolaridade, explorada muitas vezes de maneira aética pelos adversários, poderia ser fatal para seu sonho presidencial.
Ao terminar uma reunião com empresários de Marília, o candidato foi abordado por um eleitor. "Lula, minha mulher tem razão: ela sempre diz que você é o semi-analfabeto mais inteligente que ela já viu". O "elogio" constrangeu o candidato.
Nenhum amigo de Lula opina com segurança sobre o futuro do petista, caso FHC liquide a eleição no primeiro turno.
Mas o tom sentido do candidato ao falar da força do preconceito, que imaginava menor, autoriza algumas dessas pessoas próximas a apostarem que Lula não acredita mais que no curto prazo a situação possa ser revertida.
O que mais incomoda Lula é que grande parte das críticas à sua baixa escolaridade vêm justamente de pessoas de baixa renda.
"O grande azar da maioria que diz não gostar de política é que ela sempre será dirigida por uma minoria que gosta de política", costuma dizer o candidato petista.
Opção Mercadante

A sinalização de que Aloizio Mercadante é seu herdeiro político no PT também se encaixa na visão pessimista, pelo menos no quadro atual, de Lula sobre a questão do preconceito cultural.
Bem-nascido, economista e orador competente, Mercadante é visto por Lula como o representante de uma face petista que, sem transigir com os dogmas partidários, eventualmente terá menos dificuldade para vencer futuras eleições.
"Eu também queria ter diploma universitário, mas me considero o mais preparado dos candidatos por conhecer o país e achar que um governante precisa principalmente de sensibilidade política", afirma o presidenciável do PT.
A frase retrata o que pensa Lula realmente. Mas a amargura provocada pela constatação de que o obstáculo é maior que o previsto torna cada vez mais provável a desistência de um novo páreo eleitoral majoritário.
Vértices do PT
Lula enxerga um futuro político promissor para Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores).
Juntos, Mercadante e Vicentinho representam para Lula os dois vértices de um PT ideal. Vicentinho, por iniciativa própria, tenta aprender inglês e se interessa em superar rapidamente os obstáculos que a origem social lhe impõe.
As dificuldades diagnosticadas por Lula servem de alerta para o sindicalista que sonha repetir, com sucesso, a trajetória do atual candidato petista.

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