São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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Preconceito persegue o petista

FERNANDO DE BARROS E SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

O Luiz Inácio Lula da Silva que amanhã tenta desesperadamente habilitar-se para o segundo turno da eleição presidencial não é mais o radical de esquerda que transformou o PT no maior partido de massas com base militante do país.
Calejado, adaptou seu discurso às circunstâncias políticas a fim de se tornar palatável aos olhos dos setores conservadores e conquistar a classe média.
Em 1986, Lula ainda dizia ser "daqueles que não admitem a existência de classes sociais".
Passados três anos, em 89, o mesmo Lula, pressionado pela disputa com Fernando Collor, dizia que queria apenas "cumprir o que está escrito na Constituição" e não, como faziam crer seus detratores, "tirar uma televisão de quem tem duas".
Mas, apesar do esforço para se ver livre da pecha de esquerdista, Lula não conseguiu até hoje derrotar o preconceito que o persegue como um fantasma.
Nordestino de origem pobre, Lula nasceu em Garanhuns (PE) em 27 de outubro de 1945. Só conheceria seu pai, que abandonara a família para trabalhar como estivador em Santos, aos 5 anos.
Mudou-se aos 7 anos para São Paulo com a mãe e mais cinco irmãos. Trabalhou como vendedor ambulante e aos 10 anos ingressou no Colégio Marcílio Dias, onde cursou a primeira série do primário, abandonando a seguir a escola.
Aos 12 anos, empregou-se como entregador de uma tinturaria em São Paulo e aos 15 iniciou a carreira de metalúrgico numa fábrica de parafusos.
Em 1964, com 19 anos, Lula já era um torneiro mecânico da Metalúrgica Independência quando sofreu o acidente de trabalho que lhe amputaria o dedo mínimo da mão direita.
Em 1966, foi admitido na Aço Villares, em São Bernardo do Campo, onde anos depois iniciaria sua ascensão como líder sindical e político.
Há 15 anos, quando eclodiram as greves do ABC e Lula foi descoberto pelo país, dizia que não era "um fanático por política". "Não faz o meu gênero", tentava explicar.
Sua biografia mostraria o oposto. Lula havia sido eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema em 1975 com 92% dos votos da categoria. Em 1978, se reelegeria com 96%.
Quando, em 1979, liderou a greve dos metalúrgicos, deflagrada dias antes de João Baptista Figueiredo assumir a Presidência, Lula conseguiu para a categoria um aumento real de 15% acima da inflação.
No ano seguinte, tentou reeditar o feito, mas a nova greve, mais tensa, durou 41 dias e provocou a prisão de Lula em 19 de abril, enquadrado na Lei de Segurança Nacional.
O então governador biônico de São Paulo, Paulo Maluf, diria na ocasião: "Lula é um líder morto. Em seis meses os metalúrgicos o esquecerão". A resposta veio com a criação do PT, em fevereiro de 1980.
Pelo partido, Lula disputou três eleições na década de 80. Ficou em quarto lugar concorrendo ao governo de São Paulo em 82, se elegeu com a maior votação já obtida por um deputado federal para o Congresso constituinte e foi derrotado por Collor no segundo turno de 89, quando foi votado por mais de 31 milhões de brasileiros.
As derrotas e a década o tornaram mais flexível e pragmático. Reviu várias posições, mas não conseguiu vencer o estigma do preconceito. Na atual campanha, ele reapareceu com toda força na boca da atriz e empresária Ruth Escobar, que o chamou de "encanador".
Não é à toa que a progressiva guinada de Lula em direção ao centro, muitas vezes feita à revelia dos burocratas do PT, foi acompanhada por uma lenta mas significativa mudança "cosmética" do candidato.
Foi aparando a barba, passou a usar ternos e hoje pode ser visto numa conversa com empresários da Fiesp fumando seu charuto com a mesma desenvoltura com que discursa na porta da Volkswagen.
Preso por um lado aos compromissos com a mudança que o fizeram chegar até aqui, ainda vítima de preconceitos e em parte domesticado pela vida pública, que o "aburguesou", Lula resume em si uma equação política delicada, de cujo desfecho depende o futuro da esquerda democrática no país.

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