São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994 |
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O céu da pátria
JANDIRA MARTINI ; MARCOS CARUSO
Tu mesmo te expulsas, Nem perdes a linha, E de outro partido Já bates à porta. Um Vira-casaca - Sê claro, bandido, E um preço estipula! Outro - Virar custa tanto! Todos - Se frase tão chula, Tem lá seu encanto E te querem pagar... Vira a casaca! Afinal, não é santo! Se viras a tempo, Tu vais te salvar! E recomeçam a cantar: Lula - (Indo até um deles) Ô companheiro... (Vira-casaca vira-lhe a cara. Ele tenta outro) Companheiro... (comportamento idêntico ao do anterior) Lula desiste e volta para perto da Constituição. Constituição - Conseguiu alguma coisa? Lula - Me viraram a cara... Nem bem o "Bloco dos Vira-casaca" acaba de desaparecer na coxia e já pula na passarela um passista-malabarista, que num enorme megafone grita: Passista - Olha o voto útil na avenida, gente! Irrompe, magnífica, soberba, gloriosa, a escola de samba "Unidos do Voto Útil" empolgando com seu samba, que nada mais é que um plágio descarado de "Lata d'água" de Luís Antonio e Jota Jr. Voto útil na cabeça! Lá vai Maria, Lá vai co'as outras... Sobe o moço na pesquisa, Um pro outro já avisa: Votamos contra! Deslancha o candidato, desembesta, Não tenho opinião, não tenho guia, O pouco de caráter que me resta Acaba onde o Ibope principia! (e repete "da capo"...) Durante a passagem desta escola, Lula tenta se dirigir a alguns de seus passistas, que ocupados em suas criativas evoluções, nem ao menos o vêem e acabam por derrubá-lo. Ele, ainda meio confuso, volta para perto de Constituição. Constituição - E aí? Lula - Me derrubaram... Constituição - Essa gente é uma praga! Lula - A senhora foi muito gentil, mas eu vou indo. Tenho coisa mais importante pra resolver... Constituição - Espera. Falta só um. O último é sempre o mais rico e mais luxuoso! Vem surgindo o "Bloco da Vênus". É, de fato, luxuosíssimo. Traz uma enorme alegoria, do alto da qual uma inacreditável loura seminua joga beijos. É um bloco de muita luz, câmeras e muita ação: Bloco da Vênus - Raiou dengosa, enluarada A nossa Vênus iluminada! Ó Vênus loura, d'amplas madeixas, Um dos integrantes do Bloco, com uma câmera na mão se dirige à Constituição, focalizando-a. Câmera - Então, dona Constituição, como se sente vendo o nosso desfile?! Lula - (colocando-se frente à câmera) Deixa eu aproveitar, companheiro... Vênus - Corta! Corta! O câmera volta, rapidamente, a se integrar no bloco, que continua cantando: Bloco da Vênus - Vênus formosa, flor d'açucena! Ordena, pede, sussurra, acena, Diz logo, ó deusa da perna torta, O que te serve? O que te importa? Porque o resto a gente corta! Ó Vênus "blonde", Vênus bendita, Sossega, ó deusa, a periquita! Quem te perturba? Diz logo, apita! Porque o resto a gente edita... (Estribilho:) Edita e corta, torna a cortar! És tu a musa desta eleição! Reinas impune na imensidão, Oh minha deusa televisão! (E, repetindo seu belo estribilho, vão saindo...) Constituição - Bom, meu filho, o que eu tinha pra te mostrar era isso... Lula - E o povo? Onde é que fica o povo? Constituição - Aqui?? Aqui não tem povo nenhum. Lula - Como não tem povo? Constituição - Este céu é o céu da elite. E agora, se você dá licença, tenho que fazer meus curativos. A última plástica me deixou com várias emendas soltas. (Vai saindo e se despedindo) Até a vista, Luís Inácio! Lula sozinho e arrasado canta: Lula - "Deus, oh Deus, onde estás que não respondes?" Te procuro e tu te escondes, Onde é que eu vou te achar? Deus, oh Deus, Isto é muita sacanagem! Ficar só e abandonado! Até tu vais me faltar? Mas será que a um filho teu, Que lutou tão destemido pelo povo desvalido, Não estendes tua mão? "Deus, oh Deus, onde estás que não respondes?" Te procuro e tu te escondes, Para a Terra eu vou voltar! Lula - Táxi! Táxi! Quadro 4 Táxi Especial Entra um "cumulus-táxis-nimbus" dirigido por um velho de longas barbas brancas e breca ruidosamente. O Velho desce do táxi com um bloquinho de papel e uma caneta na mão. Velho - O companheiro poderia me dar um autógrafo? Lula - Claro, companheiro. Eu estou indo para a Terra. O senhor conhece o caminho mais curto? Velho - Eu sou o caminho! Lula - (Desconfiado) Eh! Que que é, hem? Está pensando que é quem? Velho - Deus. Neste momento raios de luz incríveis iluminam o céu da Pátria e ouve-se uma divina música cantada por um coro de anjos, arcanjos, querubins e serafins. Lula - Não acredito! Não pode ser! Meu Deus! Aliás, Seo Deus! O senhor veio aqui pra me dar a resposta?? Deus - (Canta) A resposta já tiveste Viste tudo lá e cá. Sempre haverá quem te conteste, Mas não deixes de lutar! Se uma idéia tu defendes Se na alma a tens bem clara Não deixes que a impaciência, Te tire toda a prudência, A coerência é tão rara! Vai nessa, Luís Inácio, Se vencer nem sempre é fácil, Mais vale na vida o lutar! Discreta Apoteose Entram querubins apressados e vão se acercando de Deus. Querubins Apressados - Oh, Senhor! Oh, Senhor! Estávamos preocupados! Vós sumistes! deveis voltar ao Vosso Reino de Glória!! E apressadamente colocam Deus sobre uma nuvem que vai subindo. Lula - (Com o bloquinho e a caneta na mão) O senhor não queria um autógrafo? Deus - Que cabeça a minha! Se eu chego lá sem esse autógrafo ele me mata! Lula - O autógrafo não é pro Senhor? Deus - Não. É para o meu filho. Lula assina e entrega pra Deus. A nuvem vai subindo, enquanto os querubins cantam e Deus acena para Lula, até desaparecer no mais alto dos céus possível dentro de um teatro. Texto Anterior: O céu da pátria Próximo Texto: O que fazer, Leonel? Índice |
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