São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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Não falte amanhã!

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O leitor já conhece a agudez de raciocínio do meu amigo Matias, fazendeiro de médio porte do interior de São Paulo. Ele me ligou na quinta-feira para expressar sua alegria ao ver que, finalmente, um juiz de Brasília decretou o sequestro dos bens de um ex-deputado do PMDB da Bahia –um dos anões do Orçamento. O seu comentário, porém, veio logo acompanhado de uma pergunta, bem no estilo do Matias: Mas, será que ele vai devolver toda a "grana" que usufruiu?
A sua preocupação tem procedência, pois a lentidão da Justiça para chegar aos "finalmentes" deu a essa gente um bom tempo para transformar certos bens em dinheiro vivo depositado no Brasil ou exterior, em seu nome ou em nome de "laranjas".
Por isso, o contentamento do Matias era parcial. Ele estava indignado também com a petulância dos nossos parlamentares que, depois de tanto escândalo, continuaram a zombar da boa-fé do nosso povo, em pleno ano eleitoral. A Folha de S. Paulo, de 18/09, publicou o suplemento Olho no Voto, mostrando que, dos 584 parlamentares, apenas cem participaram efetivamente dos trabalhos do Congresso Nacional. Os demais, quando aparecem, atuam como despachantes de luxo a defender interesses pessoais ou corporativos. Em um ano, a Câmara aprovou apenas 72 projetos de lei. O Plano Real continua vivendo na base da medida provisória.
A esta altura, muita gente deve estar pensando: por que vou sair da minha praia ou do meu sítio, amanhã, para enfrentar a fila da cabine eleitoral se tudo neste país vira pizza? Se os parlamentares não trabalham? Se nada é levado a sério na política brasileira?
Mas é exatamente por isso que temos de votar. Não podemos sequer pensar em gazetear amanhã só porque os parlamentares gazeteiam. Nada de ignorar as eleições porque os congressistas ignoram o povo. A democracia depende da nossa participação onde o voto é apenas o começo. Nosso trabalho não pára aí. Depois da eleição, temos de "dar duro" em cima dos eleitos intensificando a nossa pressão através de cartas, telegramas, fax, jornais, revistas, rádio, televisão e tudo o que possibilite passar aos parlamentares a mensagem de que estamos vivos e queremos que eles trabalhem.
O Matias me deu uma boa sugestão. Ele defende a idéia de se usar a gráfica do Senado Federal para imprimir uma espécie de Olho no Voto mensal. Além disso, sugere a impressão de uma grande quantidade de envelopes pré-postados para que os eleitores enderecem aos eleitos –continuadamente– suas apreensões e demandas.
Gasta-se tanto dinheiro em perfumarias, por que não investirmos nessa pedagogia democrática? A fiscalização não pode se restringir aos processos de impeachment e cassações. Ela precisa ser contínua. Através dela, temos de cobrar aquilo que o Matias tanto reclama: quem rouba tem que devolver. Seja anão, seja gigante; seja roubo recente ou antigo; de magistrado, parlamentar ou executivo; federal, estadual ou municipal –o desonesto tem que devolver o dinheiro que levou! Não deixem de votar –e votar bem, pois essa é a única chance de aprimorarmos a democracia.

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