São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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Bananeira, sim

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Depois o pessoal ainda fica bravo quando alguém diz que o Brasil não passa de uma imensa república bananeira. Em qualquer país apenas um pouquinho mais sério do que o Brasil, todo mundo leva em conta que qualquer procedimento judicial pode terminar com uma de duas hipóteses: absolvição ou condenação dos acusados.
No Brasil, não. Tome-se o caso dos crimes eleitorais de que são acusados os dois principais candidatos à Presidência, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O TSE adiou para depois do primeiro turno uma decisão a respeito, mas ninguém com um dedo de juízo acredita que qualquer um dos dois possa ser condenado.
Não importa a fragilidade ou o vigor das provas que embasam os dois processos. Importa que se dá uma demonstração cabal de que a lei não é para valer, porque só cabe uma das duas hipóteses antes mencionadas, qual seja a da absolvição.
Tal conclusão decorre do exercício de especulação que se pode fazer se se partir da hipótese inversa, ou seja a condenação.
Vamos aos cenários possíveis:
1 - FHC ganha no primeiro turno mas é condenado. O que se faz? Convoca-se Enéas para disputar com Lula o segundo turno? Ou cancela-se todo o processo eleitoral, dado que ninguém pode saber para quem iriam os votos de FHC se ele fosse impugnado antes do primeiro turno?
2 - FHC e Lula vão para o segundo turno mas são ambos condenados. O que se faz? Chama-se Enéas e Brizola (ou Quércia) para o segundo turno? Anula-se tudo e começa tudo de novo?
3 - FHC e Lula vão para o segundo turno mas apenas um deles é condenado. E aí? Chama-se o terceiro colocado para disputar com o que restou? Recoloca-se, nesse caso, a dúvida do item 1: não é melhor anular tudo já que não se sabe em quem votariam os eleitores de FHC ou Lula na hipótese de seu candidato ter sido impugnado?
Em qualquer país, uma situação dessas seria considerada kafkiana. No Brasil, ninguém dá a menor bola. Afinal, o normal, por aqui, é que a lei seja mero faz-de-conta. Como em qualquer república bananeira.

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