São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
Próximo Texto | Índice

A hora da soberania popular

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Amanhã mais de 90 milhões de brasileiros terão em suas mãos, por alguns instantes, o poder de decidir como será o Brasil nos próximos quatro anos.
As gigantescas manifestações da Frente Brasil Popular nestes dez últimos dias reforçaram minha convicção de que haverá segundo turno nestas eleições, permitindo aos brasileiros uma escolha mais pensada e segura.
Durante mais 40 dias, até 15 de novembro, o país poderá examinar com equilíbrio –tempo igual na TV e debates em que os programas serão mais aprofundados– quais as alternativas de que dispomos para enfrentar a grave crise que atravessamos.
Será a ocasião de escolher entre um projeto nacional de desenvolvimento, com distribuição de renda, que aposte nas enormes potencialidades de nosso sistema produtivo, ou de optar por uma integração subordinada à atual desordem econômica internacional, transformando-nos em sócio menor (e mais pobre ainda) de uma economia cheia de incertezas.
Já sabemos o que esta última alternativa representa. Teremos um Brasil desindustrializado, renunciando expandir seu complexo sistema produtivo e buscando "nichos" competitivos internacionalmente.
Os resultados desta estratégia são visíveis na América Latina. Somente na Argentina esta política provocou 25% de desemprego ou de emprego precário. Imaginem que impacto isto teria em um país como o Brasil, com índices de pobreza entre os maiores do mundo.
O Brasil está carente de reformas estruturais. Somente elas poderão combinar crescimento com distribuição de renda e começar a por fim ao apartheid social que exclui da produção, do consumo e da própria cidadania dezenas de milhões de brasileiros.
Sem estas reformas estruturais os planos de combate à inflação serão de curto alcance. O real será destruído, como foram destruídos outras moedas, como o cruzado e a do Plano Collor.
Problemas técnicos à parte, os fracassos dos planos de estabilização anteriores foram resultado da incapacidade de seus autores para enfrentar os grandes beneficiários com a inflação: os especuladores da ciranda financeira, os oligopólios, além daqueles grupos que passaram sua existência sugando o Estado.
Mas foram também consequência da incapacidade de sucessivos governos em propor uma estratégia de desenvolvimento que definisse novas políticas industriais e agrícolas. Estes governos não tiveram força e homogeneidade, pois no seu interior coexistiam interesses os mais diversos.
Não será uma coligação mais heterogênea ainda, onde estão reunidos todos os setores econômicos que engordaram historicamente com a inflação e o rebotalho político da ditadura e do governo Collor, que irá ter a capacidade de estabilizar e desenvolver o país.
Nas caravanas da cidadania conheci de perto os problemas do povo brasileiro, percorrendo mais de 41 mil quilômetros por todos os Estados da Federação. Pude constatar que, embora comunidades inteiras permaneçam esquecidas no interior do país e vivam dificuldades gravíssimas, é possível resolver os problemas. O Brasil é uma nação viável.
É fundamental que o novo governo tenha sensabilidade para apresentar um projeto nacional que combine o combate à miséria com a luta pela estabilização definitiva, proporcionando cidadania aos milhões de brasileiros excluídos de uma vida digna.
Com mais semanas terá passado a anestesia que a queda momentânea da inflação produziu sobre grande parte da sociedade brasileira que se encontrava exausta por anos de incerteza monetária. Poderemos pensar melhor sobre o futuro.
Não queremos a volta da inflação e por isto nos preocupamos com o destino do Plano Real.
Somente um governo que tenha a disposição e o compromisso de fazer as reformas estruturais em benefício das maiorias e que esteja decidido a abrir uma grande negociação nacional, com patrões e trabalhadores sentados à mesma mesa para controlar socialmente a inflação, poderá garantir uma estabilização durável da moeda.
Mas a moeda estável não serve para nada se a maioria não tem possibilidade de tê-la no bolso. Se os salários não crescem. Se o emprego não se expande. Se muitos continuam sem terra e os que têm terra não podem cultivá-la. Se as crianças perambulam pelas ruas e não têm acesso a uma escola de qualidade. Se as pessoas vivem famintas, sem saúde e quando recorrem aos hospitais encontram instalações sucateadas, pessoal mal pago e desmotivado.
Não posso acreditar que os que foram historicamente responsáveis por tudo isto tenham ganho nos últimos meses uma sensibilidade social que demonstraram não possuir durante décadas. Estas companhias do candidato Fernando Henrique fariam de seu governo uma administração Sarney piorada.
Confio que os brasileiros terão a sabedoria de se dar mais 40 dias de debate e reflexão para não ter que se arrepender nos próximos 48 meses de uma decisão tomada sob o impacto da maior campanha publicitária que o Brasil já assistiu até hoje.

Próximo Texto: A maturidade de um grande país
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.