São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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A maturidade de um grande país

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

A campanha presidencial é uma oportunidade única para colocar no lugar algumas peças-chave que ajudam a entender o enorme quebra-cabeças que é a sociedade brasileira.
Como sociólogo e político, tenho acompanhado de perto, passo-a-passo, as transformações do Brasil. Mas nunca aprendi tanto, de maneira tão concentrada, como nesses cinco meses em que percorri o país expondo minhas idéias e ouvindo a sociedade.
Saio dessa jornada mais maduro, com maior conhecimento dos nossos problemas e potencialidades e ao mesmo tempo mais humilde para receber as lições que o povo tem para dar.
Quinze anos de crise, de estagnação econômica e instabilidade política, tornaram as cores da realidade brasileira mais fortes e contrastantes, especialmente na área social. Aumentou a miséria, deterioraram-se os serviços públicos de educação e saúde, cresceu a distância entre pobres e ricos, a violência se agravou.
A adversidade, no entanto, também tornou a sociedade mais coesa, mais participativa, mais paciente sem subserviência. Numa palavra: mais madura. Aumentou o consenso sobre o diagnóstico dos nossos problemas. As propostas demagógicas e utópicas perderam credibilidade. O povo ficou mais exigente em relação à viabilidade das soluções propostas.
Em minha proposta de governo, apresentei respostas claras e viáveis para os problemas que mais angustiam o povo, começando pelo controle da inflação.
O Plano Real nos devolveu a possibilidade concreta de sonhar com um novo país –uma possibilidade que a sociedade abraçou com entusiasmo. Manter o plano, manter a inflação sob controle, tornou-se um ponto obrigatório de qualquer proposta de governo, porque nós mostramos que isso é possível e tornou-se uma exigência da sociedade.
Como presidente, se for eleito, quero dar continuidade ao Plano Real nos mesmos termos em que o iniciei como ministro: sem truques, confiscos ou congelamentos, atuando à luz do dia, dialogando com o Congresso e a sociedade.
A continuidade do plano de estabilização é a maior garantia de que a economia brasileira vai crescer, daqui para a frente, tanto ou mais do que no ano passado, quando o Produto Interno Bruto aumentou 5%.
O Brasil está pronto para crescer.
Não é verdade que o país só tenha acumulado mazelas durante os anos de crise. Apesar dos pesares, a maioria dos brasileiros conseguiu lutar e se adaptar às dificuldades do dia-a-dia, quase sem ajuda dos governos.
Também sem apoio oficial consequente, as empresas brasileiras têm dado claras demonstrações de vitalidade. Hoje a maioria delas está pronta para competir e crescer, tanto no mercado interno como no exterior.
Mas não basta crescer. É fundamental voltar a crescer para investir nas áreas sociais e no combate à miséria. Ao contrário do sofisma de que o Brasil precisava primeiro deixar o bolo da economia crescer para depois repartir, precisamos aprender a repartir e crescer ao mesmo tempo.
Com a inflação sob controle e a economia em expansão, o futuro governo poderá se concentrar nas ações emergenciais e de longo prazo para liquidar a enorme dívida social do Brasil para com seu povo: o combate à fome e à miséria, a geração de empregos e a qualificação para o trabalho, o apoio ao trabalhador rural, o assentamento dos agricultores sem terra, a melhoria da qualidade dos serviços de educação, saúde e segurança.
Não iremos a lugar algum buscando soluções para nossos problemas de forma isolada do resto do mundo. Tiramos proveito, no passado, de uma situação internacional que nos permitiu crescer e gerar empregos com um certo grau de protecionismo e isolamento econômico.
Hoje o mundo é outro; mudou radicalmente e temos de nos adaptar às mudanças. Se quisermos voltar a crescer e gerar os recursos de que precisamos para investir na área social, temos de construir uma economia competitiva e aberta, criando condições para que nossas empresas se modernizem cada vez mais e garantam empregos cada vez mais produtivos e bem-remunerados.
Minha proposta de governo procura combinar de uma forma lógica todos esses elementos. Redefine os rumos da economia brasileira e prepara o país para o século 21. Identifica concretamente as fontes de recursos para financiar os pesados investimentos necessários à retomada do crescimento, mobilizando fontes privadas e públicas, nacionais e estrangeiras.
Prevê uma nova divisão de papéis entre o governo, o capital estrangeiro e a iniciativa privada nacional para dar conta das tarefas do desenvolvimento econômico. Introduz a parceria entre o governo e as comunidades como um poderoso instrumento na área social.
Lancei-me nesta campanha com a energia de quem acredita que este é um grande país, que merece a oportunidade de proporcionar uma vida mais digna a seus filhos. Espero merecer a oportunidade de, como presidente, liderar o país nessa empreitada.

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