São Paulo, quarta-feira, 5 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Impatriótica contraposição

NEWTON LIMA NETO; NELSON CARDOSO AMARAL

NEWTON LIMA NETO e NELSON CARDOSO AMARAL
Permanecem sistemáticas e recorrentes nos órgãos de comunicação as improcedentes afirmações de que ``o poder público gasta muitos recursos com o ensino superior em detrimento da escolaridade básica".
A frequência com que aparecem é de tal ordem que já virou epidemia, contaminando discursos de parlamentares, intelectuais desavisados e até mesmo programas eleitorais de candidatos presidenciais.
Convencionou-se declaração, por exemplo, que as universidades federais gastam entre 70% e 80% dos recursos do MEC e, apesar dos esforços do próprio ministro da pasta em desmentir esses números, eles mantêm-se impiedosamente insistentes, voltando à cena inclusive no debate sobre o ensino superior, recentemente promovido pela Folha.
Ocorre que o orçamento do MEC é formado por receita de impostos, verbas do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação e recursos diretamente arrecadados, dentre outros. Do montante global, cerca de 50% vão para o ensino superior, incluindo universidades, Centros Federais de Educação Tecnológica, Capes, Colégios de Aplicação, parcela aos hospitais universitários e pagamento de inativos que correm à conta da educação, quando deveriam fazê-lo à outras contas do Tesouro.
Os outros 50% são destinados pelo MEC parte ao ensino técnico e parte ao fundamental, como complementação de verba aos poderes públicos estaduais e municipais, que são constitucionalmente responsáveis por esses graus de escolaridade.
Nos últimos três anos foram enviados às 53 instituições universitárias federais, em média US$ 2,5 bilhões anuais. Isto representa insignificantes 0,5% do PIB nacional e cerca de 15% do orçamento global do país para educação.
Se somarmos os investimentos em educação superior feito pelo Estado de São Paulo nas suas três instituições (aproximadamente US$ 800 milhões) e admitirmos, exagerando, que nos demais Estados e municípios os orçamentos com o terceiro grau chegam a US$ 400 milhões, alcançaremos em 1993 um montante aproximado de US$ 3,7 bilhões, ou seja, cerca de 21% do orçamento global (US$ 17,3 bilhões) da área educacional.
O montante restante, descontados os gastos administrativos e os inaceitáveis desperdícios gerados no interior da máquina pública, são aplicados pela União, Estados e municípios, nos demais níveis de ensino.
Esclarecida a questão de partição, que põe por terra argumentos falaciosos contra o ensino superior público, duas perguntas emergem naturalmente: 1) o volume de recursos postos pelo país na educação como um todo é suficiente; 2) os recursos são bem empregados? A resposta é negativa para ambas as questões.
Quanto à primeira, estudos da Unicef justificam a resposta, pois classificam o Brasil como campeão mundial em matéria de insuficientes investimentos educacionais ``per capita".
Quanto à segunda, muito há que ser feito para eliminar desperdícios provocados pela burocracia e ampliar a eficiência e os resultados das atividades educacionais em todos os níveis.
No âmbito do ensino superior federal, passos significativos, acordados com o MEC, estão sendo dados. Foram implantados programas de avaliação institucional, que visam conjuntamente a melhoria da qualidade do desempenho universitário; uma metodologia criteriosa de distribuição de recursos de manutenção e investimentos entre as instituições; e um projeto de financiamento público dentro da proposta de autonomia universitária.
O grande desafio para o Brasil é, portanto, de um lado ampliar os recursos educacionais, alcançando 8% do PIB se quiser competir com os investimentos na área realizados pelas nações desenvolvidas.
De outro, implantar procedimentos democraticamente negociados de melhoria dos resultados educacionais por unidade de recurso aplicado.
Com isso, o que se pretende é alcançar conjuntamente a cidadania, a qualificação profissional e o desenvolvimento científico e tecnológico.
Continuar jogando o ensino público fundamental contra o ensino público superior, seguindo receituário neoliberal prescrito pelo chamado Consenso de Washington, é apostar no atraso; é por em risco a soberania e o desenvolvimento com justiça social; é, sobretudo, ser impatriótico.

NEWTON LIMA NETO, 40, é reitor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior).
NELSON CARDOSO AMARAL, 41, é vice-reitor da UFG (Universidade Federal de Goiás) e assessor da Andifes.

Texto Anterior: A Fapesp e a descentralização da pesquisa
Próximo Texto: Frete de cargas industriais sobe até 13,6% em setembro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.