São Paulo, quarta-feira, 5 de outubro de 1994
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Acadêmicos e burocratas

ANTÔNIO DELFIM NETTO

Antonio Delfim Netto
Há pouco mais de dois anos, os economistas R. Bonelli, G. B. Franco e W. Fritsch publicaram um trabalho (``A Instabilidade Macroeconômica e a Liberalização do Comércio no Brasil: Lições dos Anos 80 para os Anos 90", texto para discussão nº 278, PUC, Rio de Janeiro, fevereiro de 1992). O estudo é interessante e sofisticado, mas suas conclusões são óbvias.
Quais são essas conclusões? A resposta é a seguinte (pág. 35, tradução livre): ``O movimento na direção de um regime de abertura comercial no Brasil deve, portanto, ser conduzido cuidadosamente. As propostas de política econômica são poucas e imediatas:
``Primeiro: é crucial evitar longos períodos de apreciação da taxa de câmbio sobre o pretexto de ajudar o programa de estabilização...
``Segundo, antes que um aumento voluntário da entrada de capitais seja sentido como resultado da estabilização –o qual incidentemente, pode tornar mais difícil seguir uma política cambial apropriada–, a administração da demanda deve ser restritiva, dada a sensibilidade das importações e da inflação ao nível de atividade e à capacidade utilizada...
``Terceiro, é essencial que, enquanto as prioridades da estabilização limitem os efeitos da taxa de câmbio, esquemas de promoção de exportação –fortemente reduzidos desde o início do recente programa de liberalização das importações– sejam rapidamente implementados...
``Por último, mas não menos importante, o papel decisivo desempenhado pelo equilíbrio fiscal no controle dos episódios de alta inflação, e o efeito negativo da desvalorização do câmbio real no Brasil naquele equilíbrio, mostra com clareza que o restabelecimento dos níveis históricos da receita pública é um dos objetivos prioritários. A importância do equilíbrio fiscal é aumentada pelo fato que ele pode diminuir a ameaça à liberalização que pode emergir –como dito acima– num cenário de altas taxas de juros por muito tempo para controlar a hiperinflação..." (os grifos são nossos).
Estarão os burocratas que conduzem a política econômica hoje ignorando os preciosos conselhos dos acadêmicos de ontem? Como Santo Agostinho, terão eles de escrever no futuro um ``Contra Acadêmicos" para expulsar o erro que se escondia na sua sofisticação?
Em 90 dias houve uma valorização do câmbio real da ordem de 20% (15% produzida pelo ``câmbio flexível" e 6% de inflação em real). Alguém pode levar a sério a idéia de que vivemos num regime de câmbio flutuante, com intervenções ``sujas" conhecidas e desconhecidas? E alguém pode pensar num regime de ``bandas" com taxa de juro interna de pelo menos dez vezes maior do que a externa e taxa de inflação interna de 2% ao mês contra taxas externas de 0,2%?
Por que os burocratas não seguem os acadêmicos? Por que não seguem as lições dos anos 80 nos anos 90?
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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