São Paulo, quarta-feira, 5 de outubro de 1994 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Plano biodegradável
CARLOS HEITOR CONY RIO DE JANEIRO – Impermeável ao entusiasmo cívico, consciente de ser apenas 1/94.000.000 avos da nação votante, cumpri com relativa rapidez e absoluta calma o dever de cidadão. De tanto ouvir falar em cabina indevassável, esperava encontrar qualquer coisa que tivesse o aspecto de chão solitário, átrio sagrado onde, consultada a consciência, exercesse o majestoso poder de voto.Bem, o TSE é pobre. Já fez muito em comprar excelentes computadores, não havia cabina devassável ou não. Uma carteira de escola pública protegida por um minibiombo de papelão –nisso consistiu o esquálido cenário de minha cidadania. Não fui corrompido nem ousei corromper alguém. Fiz o que a maioria procurou fazer: evitei provocar marola. Bem verdade que, minutos depois, houve alguma agitação, pensei que a plebe houvesse adivinhado a malignidade do meu voto e ameaçasse um linchamento. Não, não era isso, a Xuxa ia votar na mesma seção e havia um grupo de cidadãos que a ovacionavam. De qualquer forma, foi um susto. Folguei que o voto fosse mesmo secreto. No Arpoador, encontro um candidato que ali mora e que faz todos os sábados e domingos o mesmo itinerário. Ele estava sozinho, esperando os amigos de sempre para a caminhada, vestia uma blusa com o seu nome –único atrevimento de campanha a que se obrigara. Era Roberto Campos, cujo livro de 1.500 páginas estou lendo. Tranquilo, tem eleitorado firme num setor da sociedade, mas teme aquilo que chamou de ``bolsões da Baixada", onde seu prestígio é baixo e seu nome mal conhecido. Como fomos seminaristas e passamos por angústias iguais, cultivamos uma faixa de compreensão e tolerância mútuas. Ele também já votara e aguardava os resultados. Pelo que consta, senhores, ``habemus papam". Como acontece com os papas, o povo não vota nele: votou num plano que provisoriamente mitigou a inflação. Um plano biodegradável. A esperança que nos resta é que o eleito não seja biodegradável como o plano. Será uma chatice para mim –e para os escassos leitores da coluna– ficar repetindo contra ele as mesmas críticas que fiz a Collor e Itamar. Agora, que os eleitores de FHC têm o mesmo visual dos eleitores de Collor, isso têm. Texto Anterior: FHC e os 40 ministros Próximo Texto: Acadêmicos e burocratas Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |