São Paulo, quarta-feira, 5 de outubro de 1994
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O Brasil precisava do PSDB

EMIR SADER

A cada conclusão de processo eleitoral, com suas alianças esdrúxulas, reaparece ciclicamente a questão da ``reformulação do quadro partidário". Siglas novas reagrupam os aliados de conveniência, conversões ideológicas ganham foros partidários, o Congresso se renova nominalmente, para que não se renove substancialmente.
A campanha atual não foi aberta sob os auspícios de um fortalecimento dos partidos e da democracia política, com FHC declarando que o povo estava cansado de partidos e que preferiria ``gente que faz", logo após a derrota da fidelidade partidária pelos partidos tradicionais na revisão constitucional.
Mais grave, no entanto, foi a aliança PSDB-PFL-PTB. Nenhuma análise sobre o sistema político do país pode deixar de ter no centro essa aliança.
Há consenso entre amplos setores do PT e do PSDB de que a força transformadora do país, em termos democráticos e sociais, estaria na união destes dois últimos partidos, inviabilizada pela opção ideológica e política do PSDB rumo ao neoliberalismo e à aliança com as forças oligárquicas brasileiras.
Essa opção do PSDB já estava presente na disposição de discutir a entrada no governo Collor. Depois, no comando da economia, as orientações neoliberais de FHC definiram-se e abriu-se, na tentativa de revisão constitucional, um campo de alianças com o PFL, em base às linhas gerais de neoliberalismo no Brasil: desregulamentação, privatizações e abertura ao exterior exacerbadas.
Na mesma revisão, onde o PT propôs a priorização das reformas tributárias e fiscal, a fidelidade partidária foi derrotada precisamente pelos partidos que aliaram-se com o PSDB. E este, para defender-se das alianças que realizava, abandonou qualquer prurido parlamentarista, alegando que quem mandaria no futuro governo seria FHC, sozinho.
Um FHC que aceita ser cercado por Marco Maciel como vice-presidente, por José Sarney como presidente do Senado e por Luís Eduardo Magalhães ou Inocêncio de Oliveira como presidente da Câmara dos Deputados. Somente uma presidência imperial poderia governar sem ser asfixiada, colocando-se um seriíssimo problema de capitulação ou de governabilidade.
Quem deseja discutir o futuro dos partidos no Brasil deve olhar não apenas para os desdobramentos do pleito no PT, onde certamente as discussões serão densas e unitárias, como convêm a um partido sério após sofrer um revés. Mas, principalmente, deve se perguntar: que futuro tem o PSDB? A vitória não o resgata, mas o destrói nas suas pretensões social-democratas e faz dele mais um partido das elites tradicionais.
O projeto de transformações democráticas do país perde o PSDB e isso coloca um grave problema na constituição de um bloco social e político que derrote as elites dominantes, sem o que nenhum reforma profunda do país –da estrutura da terra, do Estado, do monopólio dos meios de comunicação, do sistema bancário– realizar-se-á.
A nova utopia –como bem definem Cristovam Buarque e Jorge Casta¤eda–, o novo desafio da democracia é o da justiça social. O PT seguirá encarnando esse ideal, buscando vias de ação, mobilização, organização e consciência social. Para seu sucesso, requer um aliado, uma força de centro-esquerda, comprometida com a luta pelas transformações sociais e políticas e, portanto, com a luta pela quebra do poder das elites no Brasil.
Essa força poderá vir de setores descontentes do próprio PSDB, como também de partes do PMDB, do PDT, mas contará sempre com o PT. Um PT que não se tornará o partido domesticado que supostas análises benévolas querem dele, porque expressa a radicalidade da crise social brasileira e o projeto de sua resolução pela transformação democrática do país.
Um PT que sai fortalecido em sua força própria –com 50% a mais de votos do que no primeiro turno de 1989, com bancadas aumentadas– embora isolado de seus potenciais aliados tucanos. Portanto, um PT que precisa rediscutir o tema das alianças, nos planos social, político e ideológico, sem abandonar os passos dados, mas buscando mais abrangência, renovação de linguagem e de propostas, imprimindo maior eficácia ao programa do partido.
No imediato, o PT deve se voltar para a vigilância sobre as políticas sociais, principal vítima do neoliberalismo reinante, e para a vigilância sobre o processo de privatização do Estado, via denúncias da corrupção e do fisiologismo, típicos do PTB e do PFL.
Uma vigilância que deve desembocar nas alternativas concretas, em base às quais se constrói a hegemonia alternativa das classes subalternas, para que a construção da democracia no Brasil signifique a promoção das maiorias sociais a maiorias políticas.
Nesse processo, a linha do ``com as elites tudo, sem as elites, nada", pode levar à derrota da esquerda, mas não conduzirá à democratização e à justiça social.

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