São Paulo, quinta-feira, 6 de outubro de 1994
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A Aids e os trabalhadores

VICENTE PAULO DA SILVA

Já se foi o tempo em que a Aids representava um problema restrito à medicina e à saúde pública. Com um portador do vírus HIV em cada 3.000 brasileiros, a Aids é um desafio para toda a sociedade. Por atingir especialmente o indivíduo em sua idade produtiva e reprodutiva, é um desafio ainda maior para trabalhadores e empresários.
Da década de 80 até hoje, muitos preconceitos foram derrubados. A Aids era vista como ameaça exclusiva a algumas vítimas preferenciais, os chamados ``grupos de risco": hemofílicos, homossexuais ou usuários de drogas injetáveis. Com o passar dos anos, verificou-se uma mudança radical. Sabemos agora que a Aids pode afetar qualquer pessoa, independente de sexo, idade ou classe social.
Desde 1992, um quarto dos portadores do vírus HIV é composto por mulheres. Em São Paulo, Estado com maior incidência do vírus, 57% dos 53.326 casos notificados no país até junho deste ano, a Aids já é a primeira causa mortis de mulheres entre 20 e 34 anos.
A epidemia tem se alastrado em camadas da população onde predominam o precário acesso à informação e as piores condições de vida. Num país onde os serviços de saúde e educação não são prioridade, como mostrou o governo ao cortar verbas destinadas a áreas sociais para a criação do Fundo Social de Emergência, é natural que, progressivamente, os efeitos mais dramáticos da Aids comecem a ser sentidos junto aos trabalhadores.
Só para se ter idéia da gravidade da questão, uma pesquisa feita pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), a partir de dados brutos de óbitos registrados pelo sistema funerário do município de São Paulo, mostrou que, entre 1991 e 1993, dentre as categorias mais atingidas pela Aids estavam os trabalhadores braçais (contingente que inclui de carregadores no comércio a operários na construção civil), comerciários, condutores de veículos e cargas, bancários, metalúrgicos, trabalhadores da educação e saúde.
A mesma pesquisa verificou que 74,7% das mulheres que morreram de Aids na capital paulista estavam fora do mercado de trabalho.
Esta ``democratização" da Aids em segmentos sociais que não se pensava até então ameaçados e a progressiva ``pauperização" do perfil dos atingidos têm como agravante as mais diversas situações de discriminação e preconceito no ambiente de trabalho.
Embora não exista risco de adquirir Aids ao se conviver no trabalho com pessoas infectadas, e apesar de o portador do HIV poder exercer suas atividades até sua condição física permitir, os portadores do vírus têm sofrido as consequências danosas das relações entre capital e trabalho.
Será que os exames de Aids não estão sendo usados para impedir o ingresso de portadores em empresas? E os testes compulsórios de sangue realizados periodicamente pelas empresas? Não estarão sendo usados como base para demissões, sem que os empregados sejam sequer informados dos resultados? Contratos com seguradoras de saúde privadas não têm dado garantias de proteção médica aos funcionários em caso de doenças infecto-contagiosas.
A CUT assumiu o compromisso de difundir práticas de prevenção e defender os direitos dos trabalhadores e dos portadores do HIV. Seja nas câmaras setoriais, seja nas negociações coletivas ou na promoção de programas de prevenção dirigidos aos trabalhadores.
Tal iniciativa recebeu impulso desde 1992, com a criação da Comissão Nacional de Prevenção à Aids da central, que reúne sindicatos e organizações da sociedade civil.
Após 14 anos de convivência com a epidemia, o país precisa sair da completa ignorância sobre a Aids para outro estágio de consciência. Somente a difusão de informações, a adoção de práticas preventivas, a solidariedade e a defesa da cidadania são atitudes dignas de qualquer indivíduo, empresa, governo ou sindicato diante da Aids.
Nós, trabalhadores e trabalhadoras, devemos interpretar essa luta como uma bandeira também sindical, pois é papel do movimento sindical conquistar a cidadania em todos os seus aspectos.

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