São Paulo, sexta-feira, 7 de outubro de 1994 |
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Coreógrafa senegalesa conquista a Europa
ANA FRANCISCA PONZIO
``Queremos deixar de ser os parentes pobres da cultura", diz Kofi Aneah, estilista nascido em Gana, que se revelou no último Salão do Prêt-à-Porter de Paris. Já a senegalesa Germaine Acogny procura difundir ``a boa qualidade da dança africana" através da Association Studio-École-Ballet-Théâtre du Tiers Monde, que ela dirige com o marido alemão na cidade francesa de Toulouse. Com o apoio do presidente Senghor, Germaine fundou no Senegal, em 1977, o Mudra Afrique, extensão da escola criada por Maurice Béjart na Bélgica, com o propósito de explorar novas linguagens para a dança. ``Ela é meu duplo africano", diz Béjart sobre Germaine, que, com seu grupo de dança formado em 1978, apresentou na Bienal de Lyon o espetáculo ``Yewa, Eau Sublime". Fundindo dança tradicional e moderna, a coreógrafa realiza uma interpretação contemporânea da cultura africana. ``O Ocidente ainda não deu a devida atenção à dança africana, que tem muito a oferecer", afirma. ``Assim como Picasso e Bracque se inspiraram na arte da África, contribuindo para o desenvolvimento das artes plásticas, os artistas da dança contemporânea podem fazer o mesmo." Germaine cresceu em uma tribo ioruba, de Benin. Neta de uma sacerdotisa, aos 18 anos ela foi estudar educação física e ginástica harmônica em Paris. Diplomada, mudou-se para Dacar (Senegal), onde fundou em 1968 seu primeiro estúdio de dança africana. ``Essa dança vem das aldeias, mas hoje existe a África das cidades e dos arranha-céus. Acho que a dança das aldeias tem de ser preservada, não como uma cultura de museu, mas como uma expressão em permanente transformação e desenvolvimento", ela comenta. Na técnica de dança de Germaine os movimentos têm nomes evocativos, como fogo, água, chuva, arco-íris. Cada uma dessas identificações tem significados específicos quanto à qualidade de movimento e ação física no espaço. ``Gostaria de manter intercâmbio com artistas brasileiros, pois temos raízes culturais comuns", disse em entrevista à Folha. Folha - Como é sua técnica? Germaine Acogny - Uso a técnica da dança tradicional da África do oeste, que trabalha especialmente as ondulações do torso. Isso porque, embora nascida no Senegal, sou originária do Benin, minha mãe era ioruba. A dança africana representa a relação com o cosmos e se baseia no contato dos pés com a terra. Em minha técnica, a colocação dos pés determina a posição dos calcanhares, dos quadris, do busto e a maneira como serão realizadas as ondulações, contrações ou tremulações do corpo, com relação ao céu e à terra. Para mim, o peito representa o Sol, o púbis, as estrelas e a face, a Lua. Sempre trabalho o corpo com relação à natureza. Realizo uma dança moderna fundamentada na dança tradicional, porque as raízes correspondem à verdade. Folha – Você utiliza técnicas da dança moderna americana? Germaine – Estudei dança clássica e a técnica moderna de Martha Graham. Mas, nos passos da dança africana, eu reconheço os mesmos passos, sob outra forma, da dança moderna. As torsões e as contrações da técnica de Graham também existem, de certa maneira, na dança africana. Respeito minha tradição, mas faço uma dança atual. Em direção ao futuro. Folha – Como surgiu sua última coreografia, ``Yewa, Eau Sublime"? Germaine – Me inspirei num livro escrito por meu pai, Togaun Servais Acogny, que fala do confronto dos jovens com o passado, o presente e o futuro da África. A partir da juventude africana, que vive conflitos universais, procurei falar da juventude do mundo. Folha – Como é sua relação com a música? Germaine – Cultivo um diálogo permanente com o ritmo, que está no coração do movimento. Na dança tradicional, a relação com a música, o ritmo, é muito importante. Ritmo é vida, dança e ritmo são inseparáveis. Folha – Qual o seu conceito de ritmo? Germaine – O ritmo é um elemento vital. Temos o ritmo do trabalho, da respiração. Acho que não reaprendemos o ritmo. Cada raça tem seu ritmo interior. Folha – Você acha que os dançarinos africanos têm um senso específico de ritmo? Germaine – Sim, porque o ritmo é cultural. Os iorubas, que são originários do Benin, não têm o mesmo ritmo do povo ```woloff", do Senegal. Um tem dificuldade de captar o ritmo do outro. Folha – Como você vê a cultura africana hoje? Germaine – Nada permanece fixo, tudo evolui. A arte tradicional africana evoluiu, à medida que ocorreram contatos com outras expressões. No momento, por exemplo, temos uma pintura africana que atrai a atenção do mundo. Mas ainda há muito o que fazer. A África ainda não tem consciência plena da necessidade da cultura que, da literatura à culinária, é a embaixatriz de um país. Folha – Qual a importância do Mudra Afrique para a dança africana? Germaine – Mudra Afrique foi uma experiência maravilhosa. Fui fundadora e diretora da escola, que ensinava dança africana tradicional, teatro, improvisação sobre o movimento para criar a coreografia, ritmo e canto. No Mudra estabeleci minha técnica de dança, que é reconhecida como dança africana moderna. Folha – Sua avó foi uma sacerdotisa muito respeitada na África. Ela influiu na sua expressão artística? Germaine – Minha avó nasceu na Nigéria, era dançarina e, como sacerdotisa, tinha o poder de fazer tanto o mal quanto o bem. Ela escolheu o bem e iniciava os jovens no rito da dança e no contato com o deus da religião ioruba. Ela era uma espécie de orixá. Embora tenha morrido antes de meu nascimento, acredito que ela reviveu em mim. Ela me inspira, me conduz a um elo entre o passado e os tempos modernos. Próximo Texto: Espetáculo recria tradição Índice |
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