São Paulo, sexta-feira, 7 de outubro de 1994
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'Rainha Margot' faz espetáculo da história

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

Filme: A Rainha Margot
Produção: França, 1994, 2h39
Direção: Patrice Chéreau
Elenco: Isabelle Adjani, Daniel Auteuil, Virna Lisi, Jean Hugues Anglade
Salas: Arouche A e Espaço Banco Nacional de Cinema - sala 2

``A Rainha Margot", filme francês que estréia hoje em São Paulo, é um espetáculo daqueles que há muito não se via. O diretor Patrice Chéreau, consagrado diretor de teatro e de ópera, encarou com maestria a difícil tarefa de transpor para as telas o romance de Alexandre Dumas, mesmo autor de ``Os Três Mosqueteiros".
Ao longo de quase três horas o filme reconstitui um dos períodos de maior turbulência da história da França que culminou com o massacre dos protestantes na célebre Noite de São Bartolomeu, ocorrida entre 23 e 24 de agosto de 1572.
A tragédia se inicia logo após a tentativa de reunir as facções beligerantes de católicos e protestantes por meio do casamento entre Marguerite de Valois –a rainha Margot do título– e Henry de Navarre.
Todas as artimanhas utilizadas pela maligna Catarina de Médicis (Virna Lisi, premiada como melhor atriz em Cannes) para manter o poder no seio de sua família. Chéreau concebe a destruição como a marca indelével da história, e extrai o máximo proveito desta premissa.
Sua versão do episódio histórico não sofre dos impasses comuns nesse tipo de produção. O detalhismo da reconstituição de época em nenhum momento sufoca os conflitos humanos que estão na base desta tragédia. Apesar do gigantismo da produção (trata-se da mais caro filme francês já realizado), o filme escapa do perigo de se apoiar na monumentalidade de cenários, batalhas e figurinos para impressionar.
Para isso, Chéreau optou por um elenco escolhido criteriosamente e conseguiu a difícil adesão de Isabelle Adjani. Ao lado de Virna Lisi, Adjani brilha como a rainha Margot, aniquilada pelas forças do destino. E Jean-Hugues Anglade, como o rei Charles 9º, traduz as dores da traição no momento em que sua vida é consumida em um prolongado sacrifício.
Como nas tragédias gregas, a família de Margot é um núcleo que, progressivamente, sucumbe ao caos por uma espécie de maldição que cada um carrega no próprio sangue. Este é o motivo pelo qual Chéreau elege a violência como motor da narrativa.
Sua câmera acompanha cada força em luta, encarnada nos corpos dos atores, que se chocam, se arrastam e suam sangue pelos corredores escuros dos palácios. Ela segue a destruição com uma proximidade aterradora, salta os corpos e, por fim, transforma as ruínas em beleza.
O espetáculo se completa com a riqueza cromática criada pelo fotógrafo Philippe Rousselot. Cada imagem está tingida por um senso pictórico que se inspira nas telas de mestres como Velásquez e Vermeer.
Se o cinema parecia condenado a criar o espanto nas platéias apenas por meio de fantasiosos truques, Chéreau demonstra que a batalha contra os monstros jurássicos ainda não está perdida.

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