São Paulo, sexta-feira, 7 de outubro de 1994
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Desigualdade e deseducação

JORGE JATOBÁ

Está nos relatórios das Nações Unidas e do Banco Mundial. O Brasil é o país de maior nível de desigualdade do planeta. Em 1990, os 20% mais ricos da população apropriaram 26,1 vezes mais renda do que os 20% mais pobres (UN: Human Development Report, 1991).
Para a Colômbia e o Peru, por exemplo, estas cifras foram respectivamente, 13,3 e 11,8 e para o Japão, 4,3. É unânime entre os pesquisadores brasileiros que a má distribuição da educação é o mais importante gerador da desigualdade no país.
De fato, vários estudos têm demonstrado que entre 30% a 40% da desigualdade pessoal da renda é atribuída à educação. Em outras palavras, se as diferenças de renda entre os diversos grupos educacionais fossem eliminados, a desigualdade diminuiria entre 30% a 40%.
Outra constatação mais dramática: estudo feito por Ricardo Paes e Barros, do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), e David Lam, da Universidade de Michigan, mostra que a desigualdade educacional entre as crianças brasileiras com 14 anos de idade é maior que aquela encontrada na população adulta dos Estados Unidos. Ou seja, as desigualdades já estão definidas antes da entrada no mercado de trabalho.
É como se a corrida para o mercado de trabalho e para o acesso à renda começasse com uma minoria situada centenas de metros à frente da maioria. Nete sentido, o mercado de trabalho é mais revelador do que gerador de desigualdade.
Ainda mais, se o Brasil quer ser competitivo lá fora tem de preparar melhor a sua força de trabalho. Os fundamentos desta preparação estão na escola. Uma maior inserção competitiva da economia brasileira no mundo exige que se aumente o conteúdo intelectual do trabalhador brasileiro. Sem educação fica difícil dotar um trabalhador de habilidades técnicas, sejam gerais ou específicas.
Há que se realizar, por conseguinte, um enorme esforço para investir mais em educação básica e secundária. Nesta corrida estamos atrás de muitos dos nossos vizinhos, sem contar países como a Argentina, Uruguai e Chile que têm um nível educacional historicamente superior ao nosso.
O Brasil, para a sua renda "per capita", tem uma taxa de analfabetismo e índices de evasão e de repetência muito acima da média latino-americana.
Do mesmo modo, a média de anos de escolaridade e a taxa de frequência escolar entre a população de 6 a 11 anos, está abaixo do padrão da América Latina. O Brasil está subinvestindo em educação.
Mais investimento não significa construir mais escolas. Temos de melhorar a qualidade do ensino, especialmente na escola pública. Temos que diminuir a evasão e a repetência e tornar a atividade educacional mais atraente para as crianças e suas famílias. Não há também como melhorar o ensino fundamental e secundário público sem melhor qualificar e remunerar os professores e sem aparelhar adequadamente a escola.
É preciso muito mais. As famílias pobres tendem a retirar – ou jamais colocar – as crianças na escola pois elas contribuem com seu trabalho ou como pedintes para a renda familiar. Em Pernambuco, estima-se que crianças e adolescentes chegam a contribuir entre 20% e 30% para a renda familiar.
Sair da escola e assumir um trabalho precoce ou ficar nas ruas a pedir esmolas é uma das formas mais perversas de perpetuar a pobreza numa mesma geração e entre gerações. Por conseguinte, é necessário que a política pública cubra o custo de oportunidade de uma criança de família pobre entrar e permanecer na escola.
É preciso criar um incentivo econômico imediato para que as crianças permaneçam na escola. Não dá para esperar que famílias empobrecidas e esfomeadas compreendam a importância da educação para o futuro de suas crianças quando enfrentam enormes adversidades no presente.
E nem dá para esperar que os efeitos de longo prazo decorrentes do crescimento econômico criem incentivos de mercado para que as famílias coloquem e deixem suas crianças na escola. É preciso agir, já!
Um possível mecanismo seria a concessão de um bônus para que as famílias deixem seus filhos na escola e não as retirem precocemente devido a uma compreensiva embora trágica estratégia de sobrevivência que se no curto prazo alivia a pobreza, no longo a perpétua.
Este dinheiro corretamente empregado traria muitos mais benefícios de que os recursos ineficiente e clientelisticamente empregados através das dezenas de instituições assistenciais que operam no Brasil à semelhança da LBA.
Um estudo recente sobre pobreza rural constatou que no Nordeste agrário, mas não só lá, o quadro educacional é dramático. Observa-se também que ainda há muito por fazer, nas atuais condições, para melhorar esta situação em termos de política pública.
Em outras palavras, mesmo com os recursos existentes muito mais poderia ter sido feito se não faltasse a vontade política, se não existisse tanta ineficiência no uso dos recursos e se não faltasse a capacidade das lideranças locais para mobilizar a energia social das comunidades para enfrentar o desafio educacional.
O consenso sobre a educação aumentou muito no Brasil. Mas é necessário muito mais do que um consenso político. É preciso agir, e logo. Sem investir na educação das pessoas não teremos nem cidadãos, nem trabalho, nem uma econômia competitiva, nem líderes, nem uma sociedade menos desigual. Um país deseducado é um país destinado ao fracasso.

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