São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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De olho no voto e no segundo turno

MARCELO LEITE

Uma das poucas surpresas na eleição anticlimática por que passou o país foi a alta incidência de votos brancos e nulos nas eleições legislativas e para os governos estaduais. Estou certo de que isso tem muito a ver com a preponderância da eleição presidencial sobre as demais, sobretudo com a despolitização da campanha provocada pela força arrebatadora do Plano Real.
Se abordo este tema aqui não é para arriscar-me na análise política, coisa que outros farão melhor do que eu. Meu intuito é tentar entender que papel teve a imprensa nessa história.
Tome-se o exemplo do Estado de São Paulo. O grande vencedor do primeiro turno não foi Francisco Rossi (PDT), que derrubou Mário Covas (PSDB) do pedestal das pesquisas de intenção de voto e o arrastou para um segundo turno cheio de incertezas.
O segundo lugar na contagem dos votos, na realidade, coube para os votos nulos e brancos. Somados, eles deverão alcançar algo em redor de 24%, mais do que o azarão Rossi.
Espante-se comigo: um quarto dos eleitores do Estado mais desenvolvido preferiu omitir-se na escolha do governante que decidirá sobre boa parte dos impostos que terão de pagar. E isto em uma eleição livre, democrática.
Em outros Estados, a situação mostrou-se ainda mais grave. Em quatro deles –Bahia, Maranhão, Pará e Piauí–, brancos e nulos foram simplesmente os campeões. Em outros seis, além de São Paulo, ficaram em segundo lugar, conforme noticiou a Folha em sua primeira página de quinta-feira (não sem atraso: jornais concorrentes, como ``O Estado de S.Paulo" e o ``Jornal do Brasil", já tinham destacado números semelhantes no dia anterior).
Em maior ou menor grau, dados preocupantes como esses repetem-se nas eleições legislativas (Senado, Câmara dos Deputados e Assembléias Legislativas). Até mesmo para as presidenciais observou-se uma abstenção três vezes superior ao pleito de 1989.
A explicação mais comum, desencanto com ``os políticos", não satisfaz. Sob esse rótulo pejorativo e politicamente regressivo, que não pode e não deve ser confundido com o desenvolvimento de uma consciência política crítica, compreende-se usualmente deputados e senadores, não governadores. Salvo poucas exceções, estes não estiveram no centro das tempestades de escândalos.
Desconfio de que essa apatia eleitoral está muito mais relacionada com desinteresse e desinformação do que com qualquer outra coisa.
A imprensa pode ter um papel indutor, pedagógico, algo muito diverso da mitologia do Quarto Poder (gosto de dizer que o único poder da imprensa é o de cumprir com sua obrigação). E foi aí que ela falhou, no meu entender.
Em poucas palavras, ela se deixou ofuscar pelo brilho do real (o novo dinheiro, entenda-se). Concentrou quase todo seu noticiário na cobertura da corrida presidencial, cujo diapasão foi ditado exclusivamente pela moeda forte.
Essa preponderância da corrida presidencial fica evidente em levantamentos do Datafolha sobre o espaço dedicado em cada um dos quatro grandes diários aos diferentes níveis de eleição.
No caso da Folha, no mês de agosto, nada menos do que 70,3% de tudo que se publicou sobre eleições no jornal se referia às presidenciais. A campanha para governador mereceu somente 7,9% do espaço total (incluindo textos, fotografias e tabelas). O Congresso, ridículos 3,2% (o restante foram reportagens de interesse geral).
Em setembro, a coisa progrediu um pouco: presidenciais, 54,4%; governo do Estado, 9,6%; Congresso, 16%. Note-se que o destaque para a eleição a governador na prática não se alterou. Foi o noticiário sobre o Congresso que cresceu exponencialmente, com o combustível farto fornecido pela gráfica do Senado e pelo tão alentado (28 páginas) quanto polêmico suplemento Olho no Voto (leia abaixo).
Em agosto, a Folha reinou solitária em sua predileção pela disputa FHC-Lula (os concorrentes ficaram em redor da casa dos 60%). De agosto para setembro, os números mostram que o jornal transferiu-se para o patamar comum, em torno de 50-55%. Menos mal.
Esses números mostram com eloquência o pouco caso da imprensa com as eleições legislativas e para governador. São o reflexo sobretudo de uma prioridade estabelecida fora da arena política, na esteira do Plano Real –e chancelada pelo eleitorado, nunca é demais lembrar.
Tudo se reduzia a ser contra ou a favor do real. Lula ou FHC. No meio, falando sozinhos, os candidatos a governador, senador, deputado.
A esse imperativo estranho se curvou docilmente a imprensa. Renunciou quase em bloco àquele pouco de espaço iluminista, esclarecedor, que dá algum sentido à profissão e a seu em grande parte injustificado prestígio social. Ao menos no caso das eleições para governador nos poucos Estados em que haverá segundo turno, ainda dá para recuperar parte do tempo perdido.

Uma das poucas e mais sérias tentativas de pôr o jornal a serviço das carências do eleitor foi o caderno especial da Folha batizado como Olho no Voto, que circulou em 18 de setembro. Uma idéia excelente: publicar como votaram em algumas decisões importantes os deputados federais candidatos à reeleição e apontar quantas vezes faltaram ao trabalho.
Ocorre que a boa idéia foi posta em prática com alguns erros, de informação e de enfoque. Na coluna que escrevi na semana passada, afirmei que esses erros ``comprometeram todo o esforço".
Essa observação motivou uma resposta dos jornalistas Elvis Cesar Bonassa e Daniela Pinheiro, da Sucursal de Brasília da Folha, que trabalharam dois meses no levantamento de mais de 30 mil informações. Eis os trechos principais de sua contestação:
``Em sua coluna do último domingo, o ombudsman faz referência ao caderno Olho no Voto. Em poucas linhas, afirma que a quantidade de erros comprometeu a credibilidade do trabalho.
É uma crítica destituída de fundamento. Até agora, houve apenas três Erramos em relação às tabelas publicadas –o que está longe de comprometer a credibilidade do caderno. O ideal seria que não houvesse nenhum erro, mas os três erros significam muito pouco frente à quantidade de dados que foram usados.
(...) O ombudsman aparentemente admitiu como erros a gritaria dos deputados contra o caderno. Todas as cartas que chegaram à Redação foram respondidas no Painel do Leitor. Vários deputados tentaram apontar supostos erros, mas eles é que estavam errados.
As reclamações corporativistas dos parlamentares contra uma análise de seu comportamento, análise esta baseada em dados objetivos e verificáveis, não podem ser consideradas erros do caderno. Ao contrário, talvez sejam o melhor índice de seus acertos."

Pelo visto, os jornalistas da Sucursal de Brasília e este ombudsman só estão de acordo em duas coisas: os deputados devem prestar contas de seus votos e faltas na Câmara; e o ideal é que não haja erros. Agora, as discordâncias:
1. Não mencionei ``quantidade" de erros. Mas já que a questão foi introduzida, gostaria de retificar o número mencionado. Os ``apenas três Erramos" correspondem na realidade a cinco erros, pois um deles corrige de um só golpe três informações.
A esses cinco deve ser somado mais um, admitido em Nota da Redação de resposta ao deputado Nilmário Miranda, nunca registrado em Erramos. E mais dois apontados em carta do deputado Fabio Feldmann que não foi respondida no Painel do Leitor, ao contrário do que afirmam Bonassa e Pinheiro, nem objeto de Erramos.
Ao todo, portanto, oito erros identificados. Sugiro que se pergunte aos que foram prejudicados por eles se ``significam muito pouco".
2. Nas Notas da Redação como agora na resposta dos repórteres de Brasília, a Redação adota uma postura defensiva. Pretende pôr um ponto final nas críticas dizendo que as informações são ``objetivas e verificáveis" e foram publicadas no ``Diário do Congresso". Com isso, tenta castrar a única discussão que interessa: a Folha adotou o melhor critério para aferir a assiduidade dos parlamentares? Poderia ter incluído em seu cômputo a presença em comissões e subcomissões? É correto ressalvar no meio do texto que este tipo de atividade é parte integrante do trabalho parlamentar e depois publicar páginas e tabelas com percentuais alarmantes de faltas em que essa ressalva não está destacada?
A maioria das 14 cartas que compõem a ``gritaria dos deputados" propõe essas questões, mas as Notas de Redação ignoram-nas olimpicamente.
3. Há certa ironia na tentativa de desqualificar as críticas como ``corporativistas". A julgar por ela, passa a vigorar a seguinte regra: quanto mais pessoas reclamarem de uma notícia, mais correta ela será.
Para encerrar, só me ocorre dizer que o trabalho de um ombudsman se baseia em premissas exatamente opostas. E que nove leitores ligaram ou escreveram para o da Folha com o propósito de comentar o Olho no Voto. Só três a favor.

Recebo carta do colunista Giba Um em resposta à nota ``Desinformação", publicada domingo passado nesta coluna. Ele nega que a ``newsletter"por ele editada seja anônima: ``É o primeiro boletim com informações reservadas distribuído, diariamente, por fax a seus assinantes e tem, na primeira página, a editora."
Prossegue: ``No rodapé da primeira página de transmissão, há mais dados sobre o expediente e o nome de seu Editor e Publisher, Gilberto L. Di Pierro (...) que, à propósito (sic), não guarda `quaisquer rancores' com referência à empresa onde trabalhou cerca de 25 anos."
O colunista pede ainda, com mais falhas de português, que sejam identificados os erros que cometeu em sua nota delirante. Eis aqui uma relação incompleta, acompanhada da sugestão de que os dirija diretamente para os ``quase mil" assinantes de seu boletim: minha antecessora, Junia Nogueira de Sá, não foi afastada nem demitida, saiu por vontade própria; seu mandato, como o meu, é de um e não de dois anos (renovável por outro ano); o estatuto da função é regido por norma interna da Folha, não por convenção internacional.

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