São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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E a caravana passa

RICARDO SEMLER

Como a gente semos trouxa, não? Enquanto os cães ladram sobre as eleições e grande parte dos vereadores paulistanos deixa a Câmara para se candidatar, o esperto prefeito faz a caravana passar.
No orçamento submetido nestas funestas (para o contribuinte) condições, modestos US$ 1,5 bilhão –repito, bilhão de dólares– foi incluído como empréstimo tomado por nós, cidadãos de São Paulo.
Ou seja, um aumento cavalar, insuportável e irresponsável de dívida para um município já quase quebrado por más administrações como esta.
É absolutamente escandaloso, e, como sempre, vai passar pelos carneirinhos malufistas da Assembléia (que são maioria) sem maior alarde.
Nós paulistanos, que iremos sobrar com a dívida muito depois do prefeito ter se aposentado e as empreiteiras terem recebido por seus serviços, vamos ser objeto de chacota em festa grã-fina. Afinal, populacho não sabe ler orçamento, né?
Bem, trouxões, aqui vão alguns dados. Manchete dos grandes jornais ao anunciar o novo orçamento: ``Prefeitura reduz verba de obras".
Puxa, pensei, nosso alcaide obreiro resolveu aposentar a picareta (sem trocadilho) e sustar o ritmo insensato de canteiros inúteis?
Será que chegou a hora de elogiá-lo? Fui olhar com mais cuidado. O item ``Obras" de fato caiu 24%. Palmas. Pena que o item ``Vias Públicas", que é monstruosas dez vezes maior, subiu 27%. Conclusão: na soma dos dois, US$ 150 milhões a mais em apenas um ano de gestão!
Habitação, que subiu 182%, foi muito elogiado pelos jornais. Afinal, mais casa, né minha gente? E casa se faz como, sem obra? Então temos aí mais US$ 110 milhões de novos acréscimos em obras, num ano só.
Educação aumentou, também. Bom, hein? Nada como mais giz, salário de professor e livros escolares. Claro, não vamos supor que, com os US$ 200 milhões a mais, alguém vai construir ou reformar escolas, certo?
E tem Saúde, que sobe também quase US$ 200 milhões. Só para salário de médico, seringa e raio x, ou teremos aí também alguma obrinha?
Tem mais astúcia travestida de justiça fiscal. O valor venal dos imóveis vai ser ``ajustado" para a realidade.
Eufemismo malicioso para aumento de IPTU disfarçado, desmentindo assim todos os outdoors que avacalharam a cidade na época da última discussão sobre o assunto.
E mais: vão diminuir as isenções tão propagandeadas. Ou seja, fomos todos levados na conversa. Engane, que nós gostamos.
O prefeito é um perdulário, que conta com nossa coletiva ignorância e boa vontade na Câmara para quebrar a cidade enquanto dormimos no ponto.
Empréstimo de US$ 1,5 bilhão, que contará com a sempre presente ajuda dos assessores especiais para dívidas, Afonso Celso Pastore e Delfim Netto (que trabalham de graça, Deus os proteja), e que buscarão os recursos onde necessário for.
Quebrar uma cidade é fácil –basta 9 milhões de tontos como nós...

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