São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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O voto silencioso

JANIO DE FREITAS

Vamos ter um presidente eleito por mais ou menos um terço do eleitorado, ao descontarmos abstenções, votos nulos e brancos. Mas a quantidade de votos nulos e brancos, que em vários Estados superam ou se equiparam aos do mais votado para governador, não pode ser explicada pela ``dificuldade de preencher o voto nesta eleição", como têm achado magistrados, políticos e jornalistas. O fenômeno, ressaltado por Clóvis Rossi já na primeira hora da apuração, está deixando indícios que recusam aquele argumento simplista e confortável.
As votações para presidente, governador e senador fizeram-se pela marcação de quadradinhos. Se bem que os votos nulos e brancos para presidente estejam em número anormalmente alto, para governador são bem maiores. E para senador crescem ainda mais. Dado, então, que a mecânica do voto era a mesma, a diferença de votos nulos e brancos só pode ter relação direta com a decisão consciente do eleitor.
Para deputados federal e estadual, bastou escrever nome ou número em outra cédula, esta ainda mais simples e também já utilizada em eleições recentes. Ainda assim os votos nulos e brancos são em quantidade espantosa. Cédulas com mecânicas diferentes de marcação levaram, portanto, a resultados semelhantes.
A cédula para os votos majoritários não era inteligente, de fato. Mas por facilitar a confusão entre os quadradinhos para presidente e para senador. Ou seja, por induzir o voto errado, não a recusa de exercê-lo. Recusa, fique claro, em termos. Como há tempos fez notar o advogado Manuel Alceu Afonso Ferreira, ex-secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo, o voto nulo ou em branco é uma opção eleitoral tão legítima quanto a escolha nominal ou partidária, sendo absurdo que, para a formação dos totais e percentuais que decidem realização ou não do segundo turno, sejam eles desconsiderados. Essa manifestação legítima do eleitor que recusa os candidatos oferecidos é, assim, equiparada à do não-eleitor, seja este por abstenção ou por falta de condições legais. Aí está uma das monstruosidades da legislação eleitoral.
O fenômeno da quantidade de votos brancos e nulos não existe por si só, nesta eleição. É a extensão da apatia do eleitorado –sem precedentes pelo menos desde a ``redemocratização" pós-Getúlio –durante toda a campanha eleitoral. E aí está um sinal importante: falam muito na falência do sistema econômico orientado pelo Estado, mas o que estas eleições estão indicando é a falência do sistema político.
E a quantidade assombrosa de votos nulos e brancos não está condenando apenas o Congresso, não. Sua quantidade nas votações para governador e para presidente da República não são, proporcionalmente, menos condenatórias do sistema político.

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