São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994 |
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Justiça reduz pena de matador de travesti
MARCELO GODOY
A decisão foi chamada de ilegal e preconceituosa por promotores, advogados e travestis. Só cabe recurso nos tribunais superiores. Cirineu Carlos Letang da Silva era acusado de matar com um tiro no nariz e dois na costa o travesti ``Vanessa" em janeiro de 93, no Ipiranga (zona sul de SP). Silva é acusado de matar outros cinco travestis. Esses casos serão julgados na Justiça comum, que decretou a prisão do ex-soldado. Silva foi condenado em fevereiro passado pela 1ª Instância do TJM por homicídio qualificado. Nesse caso, o homicídio seria qualificado porque o réu teria agido sem dar chance de defesa para a vítima, atirando de surpresa. Quando é qualificado, dobra a pena mínima prevista para homicídio (seis anos). Por isso, Silva foi condenado a 12 anos de prisão. No último dia 29, a 2ª Instância do TJM, formada por três coronéis da PM e dois civis, decidiu por três votos a dois que o crime não era qualificado. No texto da decisão, o TJM justifica a medida: ``Foi afastada a qualificadora do crime porque a atividade a que se dedicava a vítima era de alto risco, perigosíssima pois, não lhe socorrendo assim, o fator surpresa". Para o advogado Márcio Thomaz Bastos, a decisão é preconceituosa e absurda, pois diz que todo travesti é obrigado a saber que pode ser morto a qualquer instante. ``Travesti, agora, virou pato de tiro ao alvo", disse o promotor Fernando Sérgio Barone Nucci, coordenador da Promotoria do TJM. Para ele, a decisão fere o direito à vida dos travestis. O professor emérito da Faculdade de Direito da USP Goffredo da Silva Telles Jr., 79, disse estranhar a decisão. ``A atividade da vítima (travesti) não pode determinar a qualidade do ato do réu." A presidente da Associação dos Transformistas de São Paulo, Andrea de Maio, 44, disse que a decisão é um prêmio ao criminoso. ``Tenho vontade de chorar." Aids Outro ponto da decisão do TJM também foi acusada de ilegal. Ao diminuir a pena do ex-PM para seis anos, o TJM seria obrigado pela lei a lhe dar o direto de cumprir a pena em regime semi-aberto –em uma colônia agrícola em vez de uma prisão. O TJM reconheceu esse direito, mas estabeleceu uma condição: o réu deverá provar que não é portador do vírus HIV. Ao mesmo tempo, o tribunal não acolheu como prova um laudo de dezembro de 93 do hospital da PM. O laudo diz que Silva não é portador do vírus HIV. ``Ilegal, absurda, coativa e discriminatória. Por suspeitar que ele tem Aids, o tribunal nega um direito ao condenado", disse a promotora Stella Renata Kulhmann, que trabalhou no caso. O Ministério Público irá recorrer da decisão. O advogado Bastos disse que a decisão do TJM pode ser alvo de recursos ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), por ferir o Código de Processo Penal, e ao STF (Supremo Tribunal Federal), por ferir a Constituição. ``Ser portador de um vírus não é condição para que alguém receba o benefício de cumprir a pena em regime semi-aberto", disse o deputado federal Hélio Bicudo (PT). Segundo ele, um decreto governamental determina que, em vez disso, o sentenciado que tem Aids seja libertado para morrer em casa. Texto Anterior: Campinas vive 78 dias de estiagem Índice |
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