São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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Diplomata retrata as nuances da vida íntima em livro de contos

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A coletânea de contos ``O Livro das Pequenas Infidelidades" nos revela um autor sutil, pronto a perceber nuances de sentimento. Filho de diplomata, e diplomata ele próprio, Edgard Telles Ribeiro oferece ao leitor o que se poderia chamar uma aula de sensibilidade.
Sensibilidade para os pequenos gestos, para as pequenas frases cheias de ambiguidade que se trocam numa conversa íntima, para as pequenas infidelidades a que o título deste volume se refere.
Nos problemas do diplomata que, ao fazer um discurso oficial, homenageia um superior hierárquico (mas tem, ao que parece, um caso com sua mulher); nas ambiguidades da professora de uma escola de freiras, vagamente seduzida por um aluno arisco e selvagem; nos diálogos difíceis de contos como ``Zaza" ou ``Bastidores", o livro dá a conhecer o quanto de evasivo e não confiável, de discretamente traiçoeiro pode haver numa situação à primeira vista corriqueira e desinteressante.
Lê-se o livro sem desprazer. Edgard Telles Ribeiro é um ótimo observador das reações humanas; mostra sabedoria de narrador ao traçar situações complicadas, em dar resolução satisfatória aos pequenos nós, aos embaraços quase invisíveis que organizara ao longo da trama.
Minha dúvida é a de se este autor, perceptivo e sensível ao extremo, não terminou escrevendo contos um pouco pálidos demais. Se, querendo ser sutil, não terminou sendo apenas discreto.
Percepção para o detalhe psicológico, economia na anotação e mesmo dramaticidade secreta aparecem, por exemplo, em ``Oásis", a meu ver sua melhor realização. Mas sente-se falta de uma real transfiguração literária, de um poder genuinamente estético em seus textos.
Talvez se trate, por enquanto, mais de um observador do que de um escritor. O refinamento de sua sensibilidade não encontra uma escrita à altura do que percebe.
Seria de esperar de Edgard Telles Ribeiro mais ímpeto como escritor, mais inquietação no estilo. As ``pequenas infidelidades" que ele relata dão a impressão, às vezes, de serem ``pequenas" demais. Os contos, assim, se esgarçam, no cuidado do narrador em preservar o segredo cuja revelação guardará para o final. A luz que emana dessa revelação tende a ficar um pouco esmaecida, e as sombras da trama eram, de qualquer modo, um tanto descoradas.
Não é um livro ruim, não é um livro bom. Sente-se a falta de uma personalidade literária mais vigorosa. Quanto a delicadeza, compaixão, inteligência, Edgard Telles Ribeiro tem de sobra. Mas fico esperando mais.

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