São Paulo, quarta-feira, de dezembro de |
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Confidências do patriarca
JOÃO BATISTA NATALI
``Uma Viagem pelo Tempo Econômico" é seu 30º livro. Mas desta vez não há uma tese inédita ou um novo e divertido exercício de atropelamento de idéias preconcebidas. Galbraith nos chega sob a forma de confidências de um patriarca, que se dispõe a inventariar, com base numa exemplificação detalhada, os grandes temas econômicos deste século que chega ao fim. O livro possui o charme capaz de cativar os mais leigos. ``Não existe um processo ou problema econômico que não possa ser colocado em linguagem clara", diz. É com clareza despreconceituosa que ele se refere aos tópicos do New Deal de Franklin Roosevelt –o primeiro dos presidentes americanos que assessorou–, sem no entanto atribuir ao programa o estatuto de terapia que pôs fim à depressão iniciada em 1929. O que acabou com a depressão, afirma, foi a Segunda Guerra. E sobre ela sua explicação é bem mais econômica que militar. Os Estados Unidos, argumenta, entraram no conflito com a indústria operando abaixo de sua capacidade e com mão-de-obra desempregada que poderia ser rapidamente absorvida. Ou seja, foi relativamente tranquila a conversão bélica da indústria civil, que produziu 86 mil blindados e 297 mil aviões e 17,4 milhões de fuzis. Na Alemanha, ao contrário, a recessão havia acabado em 1936 e a indústria funcionava a pleno vapor. Adolf Hitler não possuía, verdadeiramente, um plano de produção de fôlego para enfrentar um conflito demorado. Acreditava que a Rússia cairia tão rapidamente quanto a França ou a Bélgica. Assim, só em fins de 1943 estava com sua conversão industrial completada. No campo específico do nascimento e difusão das idéias econômicas, o livro é deliciosamente instrutivo quanto ao inglês John Maynard Keynes. Lord Keynes e o capitalismo formam há tantos anos um casal estável que pouca gente tem noção dos muitos obstáculos que precederam o casamento. A necessidade de o Estado estimular o poder de compra, por exemplo, foi uma idéia a princípio excêntricas que os EUA importaram nos anos 30. Galbraith foi um dos patrocinadores da importação, um dos economistas keynesianos que operavam na máquina do governo Roosevelt e se contrapunham ao ceticismo dos acadêmicos comunistas. Estes apontavam a depressão como prova definitiva da inviabilidade da economia de mercado. Em sua ``viagem", que começa com a inflação norte-americana durante a Primeira Guerra e acaba com o esfacelamento do Leste Europeu, Galbraith também se diverte com as tolices cometidas em nome da ciência econômica. Exemplo: Churchill, então ministro britânico da Fazenda, promove em 1925 o retorno da libra esterlina à paridade ouro. A moeda se valoriza, caem as exportações e em poucos meses a produção está em declínio, com um incômodo pipocar de greves. Nos Estados Unidos, e é um outro exemplo, dois magos convenceram Roosevelt em 1933 que havia uma estreita relação entre a preservação dos preços agrícolas e a quantidade de ouro que o governo mantinha estocado. Fort Knox se empanturrou do metal em poder dos particulares. O déficit do Tesouro aumentou inutilmente e a depressão nem se mexeu de seu patamar. São episódios narrados com incontível bom humor. O mesmo se dá com a descrição de personagens quase patéticos. Galbraith se refere a sir Douglas Haig, um dos chefes militares ingleses durante a Primeira Guerra, como ``uma das figuras mais imóveis de seu tempo", que entrou ``em merecido anonimato, do qual só saiu certa vez para afirmar que a guerra seguinte seria vencida por uma carga de cavalaria". Ou, recuando no tempo, menciona o gatuno norte-americano John Law, procurado na Paris do século 18 por mulheres ``que iam para trocar sua virtude por ações da Mississippi Company". Revelação bombástica –e hoje de valor puramente histórico–, o livro traz apenas uma. Envolve John Kennedy, em 1962, empenhado em conter a espiral preços-salários e que recebe um telefonema do presidente da United States Steel, Roger Blough, no qual este comunicou ter aumentado seus preços. A resposta do presidente dos Estados Unidos: ``Meu pai sempre me dizia que todos os homens de negócio são filhos da puta, mas nunca acreditei nisso até agora." A US Steel, que justiça seja feita, recuou. Texto Anterior: CONTOS; POESIA Próximo Texto: Alta ansiedade na era dos jornais de massa Índice |
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