São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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Alta ansiedade na era dos jornais de massa

NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

Razões estratégicas determinaram que as empresas jornalísticas acelerassem, em meados da década passada, seu processo de modernização.
A TV, dona de mais de 50% do bolo publicitário e de audiência incomparavelmente superior à de jornais e revistas, conseguiu impor parâmetros de massificação no circuito da mídia. Quanto maior for o contingente de consumidores de um veículo, maior a chance de captar publicidade.
Para ampliar sua fatia de anúncios, os jornais trataram de remodelar o produto editorial e deram início a uma pesada ofensiva de marketing. O resultado desse esforço foi o aumento crescente das tiragens.
Isso implicou grandes investimentos em informatização e uma reengenharia tanto na área comercial e de circulação desses veículos como no setor de produção.
Ciclos de reestruturação mostram-se bem mais complexos quando conduzidos em empresas de comunicação.
Publicar um jornal a cada dia é diferente de produzir sabonete. O peso institucional –agente formador de opinião, envolvimento com questões públicas etc– confere à atividade da imprensa uma dimensão que transcende o corriqueiro produto de consumo.
É esta a principal razão da polêmica instaurada pelas transformações que permeiam a história recente da imprensa brasileira –e de forma particular a da Folha que, reconhecidamente, liderou esse processo.
Livros como ``Mil Dias", de Carlos Eduardo Lins da Silva e ``Folhas ao Vento", de Gisela Taschner, examinaram exaustivamente as mudanças ocorridas na estrutura empresarial e no modo de produção jornalístico.
Com ``Sempre Alerta", Jorge Claudio Ribeiro acrescenta um enfoque inovador, ao analisar o impacto dessa fase de transição junto aos quadros profissionais.
Não por coincidência, Ribeiro, misto de jornalista e acadêmico, recorreu ao célebre lema do escotismo para batizar sua obra. Tal como os escoteiros, os jornalistas são orientados por manuais ou normas internas não escritas e se dedicam a um ofício que conserva resquícios de uma ética missionária.
É interessante para a maioria dos leitores, que do jornal nada conhece além das notícias impressas em meio às mensagens publicitárias, acompanhar os passos do autor no ``olho do furacão", jargão grandiloquente que designa o fechamento de cada edição.
Para escrever ``Sempre Alerta", o autor apoiou-se em um diário de campo da época em que trabalhou na Folha e no jornal ``O Estado de S. Paulo", de bibliografia especializada e entrevistas.
A obra apresenta conclusões duvidosas, como a de que a estrutura empresarial que dá suporte aos jornais tende a transferir para os funcionários a rejeição a tudo o que não seja costumeiro. Ora, poucas profissões são mais expostas a situações inesperadas, como atestam os acontecimentos estampados nas manchetes.
Ribeiro afirma também que o furo e a grande reportagem ``são gêneros em extinção". Ao menos na Folha, que tem se consagrado por reportagens de investigação, é tamanha a preocupação com os chamados furos que há uma década vigora na redação um controle diário de notícias exclusivas publicadas pelo jornal e pelos concorrentes.
O autor questiona, de forma um tanto mecanicista, a utilização das armas de marketing editorial destinadas a tornar os jornais mais atraentes.
Omite, no entanto, que os veículos que não vendem cópias em número expressivo capaz de gerar como retorno uma sólida receita publicitária sobrevivem dependentes de favores de governos –uma tragédia ainda presente na imprensa brasileira.
Apesar desses deslizes, ``Sempre Alerta" descreve corretamente aspectos cruciais da operação jornalística e atinge seus melhores momentos ao colecionar observações sobre comportamento e estilo de vida da corporação.
Ribeiro constata que, devido ao ritmo e às longas jornadas de trabalho, os jornalistas tendem a se isolar em pequenos grupos, com códigos próprios e ritos de iniciação.
``É muito valorizada a situação de sofrimento. Se o cara chega cedo em casa, tem horários, ele já fica angustiado porque o bonito na profissão é sofrer", ironiza o psicoterapeuta e também jornalista Ruy Fernando Barbosa.
Essa parece ser uma característica universal da profissão. Robert Darnton, ex-repórter do ``The New York Times", citado por Ribeiro, afirma que, isolado do leitor, os jornalistas escrevem para os colegas.
Outro ponto comum diz respeito ao layout das redações. A disposição das mesas espelharia a hierarquia. O poder, no caso, mora no centro.

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