São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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Supertolerância; Laços de família

VANESSA DE SÁ
FREE-LANCE PARA A FOLHA

'Macaco brasileiro bajula chefe para evitar atritos
Muriquis rejeitam métodos violentos para estabelecer as relações no grupo
Abraços e tapinhas nas costas para bajular o chefe não são exclusivos do homem.
Uma espécie brasileira de macacos, o muriqui, parece usar essa estratégia para conquistar a "simpatia" do líder, evitar brigas e manter a unidade do grupo.
Para Francisco Mendes, antropólogo do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo, a maneira pacífica como esses macacos se relacionam e estabelecem a hierarquia social só é superada pelo homem.
"Os muriquis, assim como o homem, são o melhor exemplo de que nem sempre a liderança e a união são conquistadas e mantidas na base da força bruta", disse Mendes, que apresentou a pesquisa numa conferência realizada em setembro na USP.
A "civilidade dos muriquis vai de encontro à teoria clássica da dominância em animais que vivem em sociedade."
Essa intimidação mantém o restante dos membros do grupo na condição de subordinados. Dessa forma, o líder torna-se o responsável pela coesão interna.
Chamada de teoria de dominância clássica, ela foi criada há mais de 70 anos para tentar explicar a união existente entre animais sociais.
Na maioria dos primatas, o dominante é sempre o "primeiro da fila": tem acesso prioritário à comida e às fêmeas.
Segundo César Ades, biólogo do mesmo departamento da USP, a vantagem desse comportamento estaria na proteção dos subordinados pelo dominante e na diminuição da taxa de conflito dentro do grupo.
"Imagine o desgaste enorme se existissem lutas constantes", disse.

Supertolerância
Os muriquis, estudados desde 1990 por Mendes na Reserva Biológica de Caratinga, em Montes Claros, no norte de Minas Gerais, parecem contradizer essa teoria.
Nesses macacos, não há um "verdadeiro" líder- um brutamontes que conquista sua posição à força e tem prioridade na obtenção de recursos ambientais.
Segundo Mendes, o líder normalmente é o animal mais velho, que por conhecer melhor o ambiente onde vive serviria de referência para o resto do grupo.
Este se mantém coeso devido ao "respeito" comum que todos os membros nutrem por ele.
"O dominante faria o papel de um capitão de time de futebol. Mesmo não desempenhando sua função, é uma peça-chave quando o time tem que enfrentar um adversário", argumenta.
O líder é alvo prioritário dos abraços e tapinhas nas costas, gestos típicos dos subordinados, segundo Mendes.
O antropólogo também observou que os muriquis são muito tolerantes, conseguindo até mesmo ficar "quietos" enquanto um macho –que não precisa ser o líder– copula com uma das fêmeas.
"A disputa não acontece nem mesmo nessa hora. Eles fazem fila na hora da cópula e respeitam a ordem de chegada", assegura.

Laços de família
Uma das hipóteses levantadas para explicar a baixa agressividade entre os muriquis está relacionada à própria organização desse primata, exclusivo do Brasil.
Ao contrário do que acontece com outros macacos, é a fêmea que migra de um grupo para outro.
Esse comportamento seria uma maneira de evitar a consaguinidade –cruzamento entre parentes–, que é prejudicial à população.
Segundo Mendes, como os machos formam um grupo coeso e fixo, eles são mais aparentados do que machos de grupos de outras espécies de primatas. Supõe-se que entre parentes haja tentativas para evitar brigas.
Para César Ades, o modo de vida também poderia ser uma explicação para a baixa agressividade.
"Eles vivem na copa das árvores, a quase 15 metros de altura e pesam quase 20 quilos. Brigas poderiam ser perigosas até para o agressor, que poderia cair e se machucar", argumenta.
Para Ades, a questão primordial é saber quais são os critérios de dominância.
"Existem várias formas de um indivíduo se sobrepor ao outro. Basta observar o ser humano. Há a liderança pela força, mas há também a pela simpatia".

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