São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Língua bifurcada orienta cobras
JOSÉ REIS
Mostra, entre outras coisas, que a bifurcação permite que a língua, oscilando no ar e entrando em contato com os objetos, consiga detectar pistas espaciais sobre o ambiente, em particular a presença de outros indivíduos da mesma espécie e de fêmeas receptíveis. É antiga a preocupação da humanidade com esse fenômeno, constando da iconografia religiosa e significando em muitas culturas malevolência e fingimento. Apesar disso, por um milênio talvez, não se manifestou interesse racional pela função do órgão. Construíram-se, sim, numerosas teorias meramente especulativas, porém não cogitações sérias, por exemplo, sobre sua significação evolucionária ou sobre seu funcionamento. Aristóteles foi o primeiro em ocupar-se racionalmente do assunto, sugerindo que a duplicação da língua proporcione um duplo sabor, uma sensação gustativa duplicada. Cerca de 19 séculos mais tarde, Hodierna atribuiu à bifurcação papel mais prosaico, que seria o de desobstruir as fossas nasais naturalmente entupidas em indivíduos que vivem com o focinho enfiado na terra. Outra explicação é que a bifurcação serviria para capturar moscas. Salienta Schewnk que Aristóteles estava próximo da verdade, não quanto à gustação mas quanto à natureza química e da olfação. Estudos rigorosos mostram que a língua, depois de oscilar no ar captando cheiros, retrai-se dentro de uma bainha que se acha em contato, por meio de fossetas, com pares de sensores (órgão de Jacobson) no focinho do animal. A função da língua, oscilando no ar, é captar cheiros e levá-los aos quimiorreceptores. A oscilação assegura, quando a língua toca algum objeto impregnado de odor, a obtenção de sensação estérea e a precisa localização dos odores. Parece que os lagartos usam essa capacidade para caçar. Os de língua bífida são em geral errantes e caçadores, ao passo que os de língua simples atacam de tocaia e por isso têm menor necessidade do olfato. Nas serpentes a bifurcação pode ter vários usos. Um deles é favorecer, como nos lagartos, a captura de presas. Outro é ajudar os filhotes a encontrar abrigo para a hibernação, seguindo o rasto odorífero deixado pelos adultos ao longo do caminho percorrido. Os machos adultos utilizam a bifurcação para detectar o feromônio das fêmeas, isto é, as moléculas voláteis que vão impressionar o macho. O rasto feromonal fornece ao macho variada informação, como o reconhecimento de ser da mesma espécie o animal que deixou marcada a pista e, se se tratar de fêmea, a informação sobre se ela se encontra receptiva ou não, e portanto sobre a utilidade de sua perseguição. Não é fácil, em condições naturais, um macho topar com fêmea em estado adequado. Embora na hibernação as serpentes se reúnam em covis, elas depois se dispersam e o encontro do macho com a fêmea adequada seria difícil se não fosse a ação da língua bífida. Schwenk trata ainda de aspectos evolucionários. Como nem todos os lagartos possuem língua bífida, e todas as serpentes a possuem, esse caráter deve ter evoluído pelo menos duas vezes independentes. E como é muito grande a diversidade das serpentes no mundo, deve-se concluir que a língua bífida representa enorme benefício para o grupo. Em outras palavras, o sucesso evolucionário das serpentes mais desenvolvidas poderia ser em parte devido à perfeição de seu mecanismo de bifurcação e do papel deste na reprodução. Texto Anterior: MAO...; ...NO CÉU COM...; ...DIAMANTES Próximo Texto: O que são gânglios? Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |