São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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Não é o fim da história

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Acredito que não tenha havido, na história do Brasil, um presidente que, antes de tomar posse, antes mesmo de ser proclamado eleito, tenha assumido tão grave desafio. Evidente que ele está consciente da realidade, e mesmo que não estivesse, uma parte da mídia avisa-o sobre a encruzilhada em que se meteu.
Seu mandato é legítimo, mas está dramaticamente amarrado ao Plano Real que será um desastre se não forem votadas medidas complementares que não dependem da vontade presidencial.
A crônica política do país abre generosa trégua aos eleitos, tolera-se alguns meses de experiência, de regulagem das turbinas. FHC não terá tanto tempo assim. Os dois meses e meio que faltam para a posse podem esvaziar seu mandato, tornando-o pior do que ilegítimo: imoral.
Ele não será um estepe –como foi Itamar Franco– que precisa durar o tempo suficiente de se chegar ao primeiro borracheiro para consertar o pneu avariado.
Dá-se de barato que ele tenha a habilidade de cumprir os compromissos de ordem fisiológica que assumiu durante a campanha. Uns pelos outros, todos o candidatos teriam a mesma dificuldade e necessitariam da mesma habilidade.
O fato novo –no caso de FHC, inédito em nossa crônica política– é que ele precisa vencer antes de lutar. Sua eleição não significa o fim da história. O processo continua para todos nós, mas para FHC o mesmo processo vem com gravame. É um título assinado para mais de 50% do eleitorado brasileiro, com data certa e curta para vencer.
Se pagar, tudo bem. Se não pagar, carregará por quatro (cinco, dez ou vinte anos, conforme obter reformas na Constituição) a culpa do decantado estelionato que aplicou no bolso de todos nós.
Nem Collor teve desafio tão dramático. Ele tinha um único tiro para matar o tigre que não morreu. FHC já disparou esse tiro. O tigre foi ferido, mas não morreu. As elites econômicas deram-lhe munição, mas já estão afobadas, querendo ser pagas. O povo entrará com o suor de seu dinheiro. FHC pagará preço mais caro.

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