São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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O real depois das eleições

CIRO GOMES

Passadas as eleições de 3 de outubro, é possível que uma dúvida inquiete uma parte da população: qual é o futuro do Plano Real? Essa dúvida tem um forte componente psicológico, porque permanece a lembrança de outros planos que sofreram drásticas mudanças de curso depois de meses de existência.
Trata-se de uma desconfiança natural, fruto de um ceticismo que o real está ajudando a vencer, mas que ainda subsiste. E a dúvida tem também outras causas que convém examinar.
Coincidiu com as eleições de 3 de outubro último uma combinação de greves e movimentos trabalhistas para reivindicar não só as correções salariais da data-base, previstas em lei, mas também para tentar forçar uma reindexação dos salários. Esses movimentos geraram o temor de uma volta à prática anterior de conceder aumentos e repassá-los para os preços, pressionando o IPC-r e realimentando a inflação.
Logo antes das eleições, os brasileiros foram surpreendidos com ameaças de reajustes de preços, mesmo quando o próprio governo federal anunciava a possibilidade, que acaba de realizar-se, de reduzir o preço de alguns derivados de petróleo.
Os que faziam as alegações sobre um suposto caráter eleitoreiro do Plano Real não percebiam que a estabilidade era uma imposição do momento histórico brasileiro. Persegui-la não era tentar manipular as eleições, mas garantir a tranquilidade para a realização dessas eleições e a viabilidade de qualquer governo que delas resultasse.
O apoio que a população, devidamente informada e mobilizada, deu ao plano provou que a estabilidade é uma aspiração nacional de primeira grandeza. Teria sido irresponsável não fazer nada diante de um quadro inflacionário que se agravava pelo próprio horizonte de incerteza política sinalizado, há mais de um ano, pelas eleições gerais.
Ainda assim, a alegação foi tão martelada sobre o eleitorado que é compreensível que se possa guardar uma ponta de dúvida sobre a sua procedência, mesmo contrastando-se essa dúvida com a realidade sensivelmente melhor de hoje.
O presidente Itamar Franco foi enfático ao afirmar que o plano obedece a um cronograma próprio, implementado com base na mais absoluta transparência e dentro de um espírito aberto e democrático: ``Nada se deixou de fazer antes das eleições; nada se fará depois só porque as eleições terão passado", escreveu ele, em artigo sobre os três meses do real.
A garantia presidencial é a baliza política para o trabalho que estamos realizando. As ameaças mais explícitas ao plano merecem um comentário mais detido, mas igualmente tranquilizador.
A campanha salarial voltou à realidade do possível em economia. A lei é clara; os interesses setoriais dos trabalhadores, mesmo que legítimos, não podem prejudicar o interesse geral da comunidade pela estabilidade e pelo fim da inflação; e cresce a consciência de que a estabilidade é o objetivo maior de quem ganha salário.
Em qualquer economia eficiente e madura, ganhos reais provêm de aumento de produtividade e não se confundem com reajustes que pressionam a inflação e acabam por piorar ainda mais o conflito distributivo. Anos e anos dessa prática devem ter convencido as lideranças sindicais. Com a estabilidade, ao contrário, um ganho real será uma conquista duradoura.
Quanto aos movimentos, nas estatais, parece estar prevalecendo o bom senso: os trabalhadores das estatais são privilegiados, ganham relativamente bem, têm benefícios de que a imensa maioria dos brasileiros não desfruta e sabem que a sua causa tem apelo popular escasso. Pode até ser uma causa justa, mas não é urgente e, outra vez, não pode atropelar os interesses gerais da coletividade. Essa mensagem começa a passar e deve tranquilizar-nos.
As ameaças de reajustes de preços são descabidas. Não há congelamento de preços, mas a estabilidade cria condições muito objetivas para que as forças de mercado possam operar. O governo conta com instrumentos poderosos, não para fazer ameaças ou intervir, mas precisamente para favorecer o funcionamento das leis de mercado.
A economia é mais aberta hoje do que há três ou cinco anos. Temos o Mercosul. Temos tarifas externas mais baixas. Nossa competitividade melhora.
O consumidor hoje é mais alerta, pode comparar preços, provou que é capaz de procurar a melhor oferta, recusar um preço abusivo, adiar uma compra. E o governo, dentro da mais estrita legalidade, está determinado a não permitir abusos, negociando, quando for possível, e agindo diretamente quando necessário.
O Plano Real é um só, antes e depois das eleições. Ele necessita outras reformas estruturais que virão com o novo governo e o novo Congresso, e virão porque o próprio plano melhorou as condições para que isso aconteça.
O real se consolidou e qualquer aperfeiçoamento que seja necessário vai-se fazer dentro da própria lógica do plano, com base nas condições que garantiram o seu êxito.
Os brasileiros elegeram seus futuros governantes em 3 de outubro. Mas a estabilidade eles elegeram há mais tempo. Ao governo, aos agentes econômicos, às forças políticas cabe respeitar essa vontade.

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