São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 1994
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Sexo exótico perde fôlego na Gringolândia

DAVID DREW ZINGG
EM MIAMI

V ocê se lembra da Gringolândia tarada, Joãozinho?
Lembra aquele slogan sexomaníaco defendido pela ``Playboy" de que todo mundo tinha que ter sexo quando, onde e quanto quisesse?
Lembra as vozes agourentas dos conservadores prevendo fatidicamente que o número de homossexuais ameaça levar nossa sociedade para o buraco, através da ``supersexovia" da Aids?
Bem, estão todos enganados –ao que parece, pelo menos.
Na segunda-feira, 10 de outubro, a Universidade de Chicago levou oficialmente a público uma nova pesquisa sexual. O estudo, de 700 páginas, se chama ``The Social Organization of Sexuality" (A Organização Social da Sexualidade), e acredita-se que seja o retrato mais abrangente e digno de crédito já traçado das práticas sexuais vigentes nos EUA.
O estudo é uma bomba. Ele vira de ponta-cabeça todas as velhas pressuposições sobre o que acontece (ou não) na cama nacional.
A pesquisa conclui que, na realidade, somos todos um tanto quanto mornos em relação ao tema, antes visto como prolífico.
Ela conclui que temos muito menos encontros sexuais e bem menos sexo exótico do que o reportado em pesquisas anteriores, como o Relatório Kinsey, nos anos 50, e o estudo de Masters e Johnson, nos anos 60. Esqueça a pesquisa feita por Shere Hite para a ``Playboy" –ela se baseou em informações de voluntários(as), que já estavam interessados(as) em sexo. Você sabe, Joãozinho, como as pessoas exageram quando estão querendo se gabar.
O Velho Objeto Sexual Dave não faz idéia de como extrapolar as estatísticas americanas para sua vida sexual aqui em Sambalândia. Mas algo me diz que, na cama, as pessoas são mais ou menos iguais no planeta inteiro. A metodologia, pelo menos, parece ser a mesma.
Eis alguns dos mitos que a nova pesquisa joga por terra:
Podemos nos apaixonar por quem quisermos. Pelo contrário: geralmente nos apaixonamos por pessoas que se parecem bastante conosco.
Quem não transa bastante é infeliz. A verdade é que os gringos, em sua maioria, estão satisfeitos com suas vidas sexuais. Ufa! Isso deixa tio Dave aliviado.
O casamento significa adeus a uma vida sexual fantástica. Nem chega perto da verdade. Os casados e amigados fazem sexo com bem mais frequência do que os solteiros que estão tendo um caso com alguém.
A maioria dos casados e casadas trai a mulher/o marido. Geralmente tem pelo menos um caso extracurricular. Errou de novo, amigão. 80% das mulheres e cerca de 75% dos homens nunca traíram seus parceiros.
Os americanos são um bando de acrobatas sexuais; eles gostam de uma ampla gama de práticas sexuais. Esqueça. A maioria das pessoas prefere um menu sexual restrito.
A masturbação é o consolo dos corações solitários, pessoas que não têm parceiros sexuais. Na realidade todo mundo se masturba bastante. Pode esquecer aquele papo de que vão crescer pêlos na palma da tua mão.
A pesquisa certamente vai acender uma controvérsia iluminada a fogos de artifício entre os grupos gays e lésbicos e seus adversários.
Os autores apresentam uma estimativa relativamente baixa do número de homens e de mulheres que se descrevem como homossexuais e bissexuais. O estudo sugere que, como resultado do número menor de homossexuais, em conjunto com os hábitos sexuais inesperadamente conservadores da maioria dos americanos, o perigo de uma epidemia de Aids entre heterossexuais é consideravelmente menor do que se imaginava.
A outra conclusão que o estudo sugere é ainda mais controvertida: a incidência de Aids na comunidade homossexual pode cair, devido aos padrões cada vez mais conservadores de conduta sexual entre gays e lésbicas.
Seguem algumas outras conclusões do estudo, que merecem sua atenção:
Caso você, Joãozinho, pense que teu desempenho sexual está abaixo da média, pode esfriar a cabeça. Ninguém faz tanto sexo assim. 37% das mulheres e 36% dos homens praticam sexo algumas vezes por semana (não sei o que aconteceu com o 1% que falta entre os homens, então é bom você não perguntar). 30% das mulheres e 27% dos homens fazem sexo algumas vezes por ano ou não fazem, simplesmente.
A maior atividade se concentra nos casais que vivem juntos. 43% das mulheres e 37% dos homens amigados porém não-casados têm relações sexuais duas ou três vezes por semana. O estudo não incluiu estatísticas relativas ao efeito sobre os hábitos sexuais de se possuir um videocassete.
Entre os homens americanos, o número médio de parceiras sexuais durante sua vida inteira é seis. As mulheres têm uma média mais conservadora de dois.
A aliança gay-lésbica na Gringolândia vem afirmando representar cerca de 10% da população. Quanto maior a contagem, maior a garantia dos direitos dos homossexuais.
A pesquisa não vai deixar os gays muito felizes. 5% dos homens reportaram ter mantido pelo menos um encontro sexual com outro homem, quando adultos. Apenas 2,8% afirmaram ser homo ou bissexuais. 4% das mulheres disseram ter mantido relações sexuais com outra mulher, enquanto apenas 1,5% se descreveram como homo ou bissexuais.
72% das mulheres que haviam realizado aborto haviam feito apenas um, indicando que o aborto não está sendo usado como alternativa aos anticoncepcionais.
Não é preciso ser gênio para perceber que há sérios desníveis comunicativos entre o modo pelo qual homens e mulheres enxergam relacionamentos sexuais, certo?
O relatório revela a diferença entre as atitudes masculinas e femininas:
50% dos homens contaram que viveram sua primeira experiência sexual por pura curiosidade. As mulheres são diferentes. 48% delas informaram que seu primeiro contato sexual foi motivado pelo afeto que sentiam pelo parceiro. Contrastando com isso, apenas 25% dos homens o fizeram por sentimentos românticos em relação à parceira.
Quando se trata de variedade no menu sexual, a maioria dos americanos gosta do provado e comprovado, não do exótico. ``A gente costuma pensar que são os vizinhos que fazem o sexo mais exuberante", diz um dos pesquisadores. ``Não é que eles não devam fazê-lo, mas que simplesmente não o fazem."
O principal prato do menu é o sexo vaginal. 83% dos homens e 78% das mulheres o qualificam de ``muito agradável".
50% dos homens e 33% das mulheres gostam de receber sexo oral. Ao que parece, dar sexo oral é menos atraente. 37% dos homens e 19% das mulheres disseram gostar.
25% das pessoas disseram haver experimentado sexo anal pelo menos uma vez.
Os sexólogos e terapeutas sexuais deveriam enxergar os novos dados como instrumento para ajudar e educar as pessoas que apresentam disfunções sexuais.
Por exemplo, um estudo feito em Chicago mostra que 24% das mulheres sofrem de incapacidade de terem orgasmo –um grupo significativamente maior do que se pensava anteriormente.
A questão de o quê exatamente acontece nos quartos gringos não é tão amplamente respondida desde que Alfred Kinsey deu sua olhada pioneira pelo buraco da fechadura, no final dos anos 40.
Os dados obtidos por Kinsey tinham falhas graves devido aos métodos antiquados que utilizou para obter uma amostragem da população.
O relatório de Chicago foi obtido a partir de longas (e confidenciais) entrevistas com 3.432 americanos e americanas, com idades entre 18 e 59 anos.
A principal conclusão do estudo é tranquilizadora para as pessoas normais –se é que existe tal coisa. A pesquisa afirma, de fato, que as pessoas em geral têm hábitos sexuais conservadores e que correm um risco muito menor de contrair doenças sexuais graves do que se pensava.
Se o estudo for aplicável em algum grau à vida sexual brasileira, Joãozinho, significa que você pode desistir dos teus esforços constantes para ser um Don Juan.
O estudo também traz notícias ótimas acerca das DSTs, ou Doenças Sexualmente Transmissíveis, das quais a mais assustadora é a Aids.
A pesquisa de Chicago diz simplesmente que a maneira mais provável de você se juntar a um adulto em cada seis que tem alguma forma de DST é vadiar muito –ter muitos parceiros sexuais. Quanto mais fiel a pessoa, mais saudável ela se conserva.
No caso de doenças viróticas, como a hepatite B e a herpes genital, os padrões são semelhantes aos da gonorréia ou da sífilis. Uma mulher que teve dois a quatro parceiros corre 7% de risco de ser infectada. Pessoas que tiveram mais de 20 parceiros correm 36% de risco.
Dois livros foram lançados na segunda-feira, 10 de outubro de 94:
Os acadêmicos vão se interessar por ``The Social Organization of Sexuality" (University of Chicago Press, US$ 49,95, Edward Laumann, autor principal).
O outro, de leitura mais fácil, é ``Sex in America" (Little Brown, US$ 29,95, Robert T. Michael, autor principal).

Tradução de Clara Allain

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