São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Artistas contestam tese central do evento

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em meio à azáfama da abertura ontem, pessoas polemizavam sobre a tese proposta pela 22ª Bienal. O fotógrafo português Jorge Molder, por exemplo, concorda com a declaração do pintor americano Julian Schnabel dada à Folha no sábado: ``A pintura não está em crise".
O curador da Bienal, Nelson Aguilar, não quis rebater as críticas de Schnabel. A tese com que Aguilar balizou a organização do evento diz que a arte dos anos 60, ao romper com os suportes tradicionais (o chassi da tela e a base da escultura), criou uma estética diferenciada da modernista –que, por falta de melhor termo, tem sido chamada de contemporânea.
Depois da instalação e da performance, afirma Aguilar, a arte não pode recorrer à superfície convencional sem a consciência daquela ruptura. Em suma: toda pintura e escultura feita depois dos anos 60 lida necessariamente com a questão da arte espacial –a obra engajada em ocupar o ambiente em que está localizada.
Molder acha isso elementar. ``É impossível fazer arte sem pensar no que já foi feito. Mas achar que a pintura, em si, exprime necessariamente essa consciência é outra questão". Para ele, que trabalha com fotos que dialogam com a tradição surrealista, ainda é possível ``fazer coisas novas e interessantes na superfície".
Molder acha que a tese de Aguilar licencia o que diz existir muito nesta Bienal: ``quinquilharias". Sua opinião é que a maioria das obras em exposição é ``coisa vista há muito tempo".
Nada disso quer dizer que Molder descarte a arte contemporânea porque, a grosso modo, foge dos suportes tradicionais. Na Bienal, gostou dos trabalhos do japonês Toshikatsu Endo, do estoniano Leonhard Lapin e da brasileira Leda Catunda. ``São obras que mostram uma herança, não são arbitrárias."
Já o sul-africano Joachim Schõnfeldt acha que a tese de Aguilar é ``correta e estimulante". Segundo ele, ``o desafio é fazer um ambiente em que os elementos sejam suficientes para criar uma leitura. Essa é a questão da arte contemporânea. Ninguém pode fingir que ela não existe."
Schõnfeldt se disse ``surpreso" positivamente com o destaque dado por Aguilar –para comprovação da tese– às obras dos brasileiros Lygia Clark, Hélio Oiticica e Mira Schendel, que fizeram o ``rompimento do suporte" no país.
``É muito interessante que eles tenham feito coisas tão boas e naquele momento. Foram pioneiros, sem dúvida". Molder também ficou impressionado. Para ele, Oiticica já no início dos anos 60 fazia uma arte ``sem suporte tradicional" resolvida e evoluída.
A brasileira Valeska Soares também está interessada nesse desafio. Na sala que criou para a Bienal, próxima às de Clark e Oiticica, cobriu o chão de rosas e pendurou dois balanços, como que recriando um jardim. Valeska quer que o ambiente evoque a ``memória poética" no público e que ele interaja com o espaço.
Valeska diz que não faz desenhos para projetar uma instalação. As sugestões, segundo ela, vão sendo dadas pelos materiais que vem usando há algum tempo (as rosas, por exemplo) e por imagens que lhe vêm à mente quando está pensando em conceitos (dor e prazer, no caso da obra da Bienal).
Ela faz, porém, uma distinção entre o trabalho dela e o de Clark e Oiticica, de que se diz herdeira. ``Lygia trabalhava com a idéia da terapia, e Hélio trabalhava de um ponto de vista social. Eu trabalho com materiais simbólicos, poéticos."
O artista japonês Ari Kuroda, por sua vez, acha que a tese é ``limitadora". Seu trabalho é uma instalação, mas ele diz que ali ``a superfície é fundamental" e que as fotos ou pinturas de cada parede poderiam ser trabalhos ``em si mesmas", independentemente da sala que ocupam.
Ecoando a declaração do pintor dinamarquês Per Kirkeby, feita à Folha em maio deste ano, Kuroda diz que ``o que caracteriza a pintura contemporânea não é a relação com o espaço, mas a redescoberta da profundidade na própria tela como uma reação ao modernismo, que exaltava a superfície."

Texto Anterior: Sexo exótico perde fôlego na Gringolândia
Próximo Texto: Maluf queria levar instalação para seu jardim
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.