São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 1994
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O poder universitário

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Giscard D'Estaing, em seu livro ``Democracia Francesa", teoriza a democracia a partir de quatro poderes autônomos e independentes, a saber: o poder político, o poder das comunicações, o poder sindical e o poder econômico.
Na obra –que Paulo Brossard traduziu para o português, à época em que era senador da República–, o ex-presidente da França entende que a democracia é tisnada sempre que os componentes de um poder pretendem integrar as forças de outro.
O poder público não pode deter o poder das comunicações, este não pode ser controlado pelo poder sindical e nem o poder sindical ou econômico devem integrar o poder político, na visão do estadista gaulês.
Escrevi, há muitos anos, artigo para a Folha em que citei Giscard, tendo, na manhã de sua publicação, recebido telefonema de Zeferino Vaz, que me questionou a razão de não ter incluído o poder universitário, que para ele constituiria o quinto poder.
Discutimos longo tempo por telefone, pois, a meu ver, o poder universitário compõe mais o poder burocrático que o poder político, muito embora, na visão de Alvim Tofler, sejam os burocratas os verdadeiros integradores do poder, sem os quais os políticos naufragam.
Embora a vontade política do presidente Itamar, dos ex-ministros Fernando Henrique Cardoso e Rubens Ricupero tenha implantado a primeira fase do Plano Real com sucesso, sem a segunda fase, que implica reformas estruturais nos sistemas tributário, previdenciário e na administração pública, o plano não será bem-sucedido. Cabe ao futuro e ao atual governo prepararem celeremente tais alterações, a fim de que não se frustre novamente a nação com mais um fracasso de estabilização econômica.
E é de se lembrar que sem estabilização econômica não haverá os imprescindíveis investimentos públicos na educação.
Reconheço a existência de problemas na universidade em todo o mundo. O Brasil não foge à regra. Expressiva maioria dos professores precisam da universidade para viver, poucos sendo aqueles de que a universidade precisa.
Muitos dos que buscam a carreira universitária têm horizontes pequenos e conformam-na como uma arena raquítica e mesquinha de vaidades, invejas, intrigas e preferências, que explodem, muitas vezes, em concursos viciados pelos preconceitos contra este ou aquele candidato.
O fenômeno é mundial, mas é mais sensível nos países em desenvolvimento, visto que, nos países evoluídos, a própria dinâmica da evolução científica termina por gerar uma solução mais técnica.
Nas nações subdesenvolvidas, em que a produção científica é pobre, não poucas vezes, a mediocridade supera o talento e as conquistas universitárias são apenas conquistas de postos e cargos de trabalho.
Nada obstante reconhecer esta realidade, estou convencido de que o espírito universitário evoluiu muito no Brasil. Há hoje real preocupação, em muitas das principais universidades, pela elevação do nível de ensino, posto que a ciência se faz com a verdade e não com a vaidade.
E só não fazem mais em face das limitações de recursos que têm e em face de não incentivar, o Estado, por meio de estímulos fiscais direcionados, o surgimento de universidades sustentadas por grupos promotores sem fins lucrativos, como ocorre nos Estados Unidos.
E a universidade é fundamentalmente o professor, que tem de ter condições adequadas de segurança e bem-estar para pesquisar e evoluir no ensino que ministra.
A falência do sistema público universitário decorre basicamente de uma visão paraplégica do governo que, a título de ``democratizar" a ciência, interfere na coordenação científica das instituições, com a participação de elementos alheios à carreira de docentes, gerando soluções, às vezes, mais políticas que técnicas e afetando a ``performance" das instituições.
E prejudica ainda mais –por mal gerir a universidade pública– a universidade privada, que deveria ser mero complemento da pública e a está substituindo.
Ao impor regimes políticos de preços termina por afetar, principalmente, a remuneração dos professores, desincentivando as verdadeiras vocações a seguir a carreira do magistério.
É necessário repensar a universidade. Esta, todavia, está centrada na figura do professor. Sem professor, estimulado e com digno padrão de vida, a universidade não evoluirá e não evoluirá o país, que terá de importar a ciência de outros países que nela investem.
Que a política mal concebida do governo, no campo universitário, que reduz o papel da universidade a um mero instrumento de pseudocontrole do Plano Real, seja alterada rapidamente para que o país possa ter um poder universitário autêntico e não, como corre nos meios acadêmicos, uma universidade em que os professores fingem ensinar e os alunos fingem aprender.

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