São Paulo, sexta-feira, 14 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bienal acumula perdas e danos de trabalhos

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A 22ª Bienal já pode abrir uma coluna de perdas e danos na sua contabilidade. Principal perda: a escultura de Tunga, 42, com cerca de seis toneladas que nem chegou a sair do chão quando deveria estar suspensa no ar. Principal dano: a extremidade de uma das peças que compõe a instalação ``Macula 1", de Nuno Ramos, 34, foi danificada anteontem, no primeiro dia da mostra.
São dois dos principais artistas entre os 23 escolhidos para compor a representação brasileira.
São motivos diametralmente opostos que estorvam a exposição dos dois trabalhos. A peça da instalação de Nuno partiu-se numa das extremidades porque ele trabalha com materiais frágeis: funde parafina, breu, sal e gesso. Tunga trabalha com ferro fundido.
``Não é um problema estrutural da peça", diz Nuno Ramos, 34. ``Em todos os meus trabalhos levo o material ao limite, e fica frágil. Pode cair um pedacinho, mas jamais uma peça partiu-se ao meio."
Nuno qualifica esta Bienal de ``muito boa", mas afirma que houve falha na segurança. ``Na abertura, peguei dois adolescentes em cima de uma peça. É curioso que falte segurança numa Bienal de US$ 4,5 milhões. Não falo por mim, falo pela categoria."
Ontem mesmo Nuno pretendia restaurar a peça danificada.

O risco
Tunga usou seis toneladas de ferro para fundir cinco peças em ferro similares a sinos, que por sua vez são compostas por outras cinco peças. Três dos sinos, cada um com cerca de 1,2 tonelada, ficariam suspensos no teto.
Ele diz não ter montado a escultura de seis toneladas porque a estrutura fornecida pela Bienal não sustentaria o trabalho suspenso.
``Parei a montagem porque poria em risco a vida de pessoas. Seria uma irresponsabilidade", afirma. Tunga diz que não emite juízo de valor nem quer culpar ninguém. ``Só vou relatar o que aconteceu."
O que aconteceu, segundo ele, é que a Galeria Millan, na qual expõe, seria responsável pela fundição dos sinos, e a Bienal forneceria a estrutura de ferro para sustentá-los no ar.
A Galeria Millan mandou fundir os sinos em Itupeva (SP), ao custo aproximado de R$ 20 mil.
Há dois meses, ainda segundo Tunga, um engenheiro fez os cálculos de estrutura para a viga de ferro que manteria os sinos suspensos, fornecidos à Bienal.
Na última terça-feira, véspera da abertura da Bienal, o engenheiro analisou a estrutura encomendada pela Bienal e concluiu que ela não sustentaria o peso das peças.
``Eles construíram algo ilegal e sem segurança. O engenheiro disse que as peças iriam cair com aquela estrutura", conta Millan.
Tunga compara o que aconteceu com seu trabalho a uma mostra que fosse incapaz de fornecer prego e martelo para um pintor colocar seus quadros na parede.
Apesar disso, prefere não responsabilizar a Bienal pelo fato de sua obra continuar no chão.
Diz que ainda pretende expor a escultura na mostra. Na última terça-feira, quando o engenheiro apontou a deficiência da viga para sustentar os sinos, chegou a dizer que sairia da Bienal.
``Continuo esperando a estrutura que a Bienal me prometeu. Mas a obra não foi feita para a Bienal. Fiz porque é o meu trabalho. Vai ser mostrada de qualquer jeito."
Não é bravata no caso de Tunga. Ele é um dos artistas brasileiros com maior trânsito internacional. Já expôs no Stedelijk Museum de Amsterdã, na galeria Whitechapel de Londres (foi o segundo brasileiro a expor lá, depois de Hélio Oiticica em 1969) e na mostra ``Modernidade", promovida pelo Centro Georges Pompidou, em Paris.
Não é a primeira vez que ele desafia a capacidade da Bienal para montar seus trabalhos. Na 19ª Bienal, em 1987, pendurou uma cabeleira de aço com 15 metros de altura no vão do pavilhão da Bienal. Pesava 8,5 toneladas. Não caiu.

Texto Anterior: Esquerda deve patrulhar escolhas de FHC
Próximo Texto: `Tunga não é coitado das artes'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.