São Paulo, sábado, 15 de outubro de 1994
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É fácil falar, comprar não

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Uns 15 dias antes da eleição, o ministro da Fazenda, Ciro Gomes, conversou com uma microbrigada da Folha empenhada em caçar informações a respeito do que seria o governo Fernando Henrique Cardoso.
O ministro admitiu, então, que a inflação de outubro sofreria o que chamava de ``leve repique" e poderia superar algo os 2%. Foi-lhe observado que, se isso de fato acontecesse, havia o risco de um disparo dos preços nos dois meses finais do ano, em função do habitual crescimento de demanda provocado pelo Natal.
Ciro descartou a hipótese. Achava que o problema não estava no aumento da demanda, mas na eventual escassez de oferta, o que não ocorreria porque o governo estava antecipando a redução das tarifas de importação. A expectativa era (ou é) a de que as importações suprissem as eventuais falhas da produção local e que o decorrente empate oferta/demanda mantivesse os preços relativamente estáveis.
Agora, vê-se que o otimismo do ministro era exagerado. Ele próprio insinua riscos sérios para o Plano Real, em consequência de altas inesperadas de preços.
O problema é que o ministro está escolhendo o caminho errado para combater o que chama de ``canalhice" de setores do empresariado. Pede para que o pessoal adie as compras ou bata pernas atrás de preços mais baixos.
Ora, para o ministro é fácil promover cenas como a de anteontem em Mossoró (RN). Basta despachar assessores aos pontos de venda que eles acabam encontrando preços mais em conta.
A população em geral não dispõe, no entanto, nem de assessores nem de tempo para ir de loja em loja, de supermercado em supermercado, para achar o preço mais conveniente. Mesmo que dispusesse, o gasto em condução (ou gasolina) acabaria por anular uma eventual economia nas compras.
O governo só tem um de dois caminhos a seguir: ou se rende ao mercado, que inclui tanto preços razoáveis como preços abusivos, ou usa o arsenal que sempre diz ter, mas nunca aplica, para conter o segundo tipo de preços. O resto é puro jogo de cena. E jogo de cena nunca produziu redução de preços.

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