São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 1994
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Modelo sindical e negociação coletiva

RENATO RUA DE ALMEIDA

A notícia veiculada por esta Folha (em 10/10/1994) de que o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso pretende propor o fim da unicidade sindical (sindicato único representando a mesma categoria e na mesma base territorial, conforme está previsto no artigo 8º, II da Constituição Federal de 1988) juntamente com o contrato coletivo de trabalho, demonstra sua coerência com a modernização das relações sociais.
Com efeito, os estudiosos da matéria afirmam que a negociação coletiva de trabalho está diretamente relacionada com o modelo de organização sindical (cf. Amauri Mascaro Nascimento, em ``Direito Sindical", editora Saraiva, 1989, pág. 313).
Aliás, mais ainda do que a unicidade sindical, o que vem dificultando o Brasil de efetivamente adotar na sua plenitude a negociação coletiva como processo moderno de regulação das relações de trabalho é o modelo como um todo do nosso direito coletivo do trabalho, que mantém as características principais do sistema corporativista (cf. Octávio Bueno Magano, em ``Direito coletivo do trabalho", editora LTr.).
Unicidade sindical, representação de toda a categoria, efeitos ``erga omnes" das convenções e acordos coletivos de trabalho, compulsoriamente e obrigatoriedade das contribuições sindicais e solução jurisdicional do conflito coletivo de trabalho são as características corporativistas que ainda remanescem no direito coletivo do trabalho brasileiro e todas elas previstas na Constituição Federal de 1988.
Essas características politizam demasiadamente as relações coletivas de trabalho (cf. Hugo Gueiros Bernardes, ``Negociação coletiva de trabalho: a derrubada dos mitos", Revista LTr., SP, 57-01/20), como se viu recentemente com os petroleiros e bancários das estatais, fazendo com que os sindicatos brasileiros assumam mais um papel de representação política juntamente com o Estado do que representação de interesses ou como manifestação da autonomia privada coletiva (cf. Alain Touraine, ``Ouvriers et Syndicats d'Amérique Latine", em ``Sociologie du travail", 4/61, Aux Éditions du Seuil, pág. 88 e Antonio Rodrigues de Freitas Junior, em ``Sindicato. Domesticação e Ruptura", edição da OAB/SP), certamente também motivados pela fragilidade do sistema eleitoral (voto proporcional para a Câmara de Deputados) e consequentemente partidário.
Esse desvio parcial das funções sindicais dificulta a eficácia das vantagens da negociação coletiva, tais como a simplificação das relações, rapidez, descentralização (acordos por empresa), periodicidade e iniciativa voluntária das partes.
E não é por falta de normas que o Brasil ainda não adotou a previsão do jurista francês GEORGES SCELLE, quando afirmou que ``ontem era a lei do patrão (contrato individual), hoje é a lei do Estado (lei trabalhista imperativa e de ordem pública) e amanhã será a lei das partes (convenções e acordos coletivos de trabalho)".
De fato, o Brasil ratificou a Convenção 98 de 1949 da (Organização Internacional do Trabalho) que prevê em seu artigo 4º o fomento da negociação coletiva. Aprovou e está em processo de ratificação a Convenção 154 de 1981 da OIT, específica sobre negociação coletiva sobretudo ao nível da empresa. Ratificou a Convenção 135 da OIT que prevê garantias para os representantes dos trabalhadores nas empresas.
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 114, parágrafos 1º e 2º o incentivo da negociação coletiva antes do ajuizamento do dissídio coletivo. O governo federal, através do decreto 908, de 31 de agosto de 1993, fixa normas para a negociação coletiva de suas entidades paraestatais.
Finalmente, o TST, através da instrução normativa nº 4, de 8 de junho de 1993, exige como pressuposto do ajuizamento de dissídio coletivo a prova da tentativa da negociação coletiva frustrada.
Mas essas normas são programáticas e não resolvem o cerne da questão, que é o nosso modelo ainda corporativista de direito coletivo do trabalho.
Portanto, para se alcançar um modelo moderno de negociação coletiva, com a finalidade de ``multiplicar espaços de negociação de conflitos, onde interesses divergentes possam ser representados e soluções negociadas sejam buscadas", conforme consta do programa eleitoral e de governo do candidato vitorioso à Presidência da República, mister se faz reformar urgentemente a Constituição Federal de 1988 naquilo que ela mantém de arcaico em matéria de direito coletivo do trabalho.

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