São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 1994
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Vida mansa para quem cedo madruga

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A vida aqui é mansa, mansa. Acorda-se cedo, janta-se às 17h, dorme-se cedo e a bicicleta fica do lado de fora, a porta destrancada. A única ameaça é um terremoto, o que não é pouco.
Será a única? ``Living is a very dangerous business", como James Taylor (não o músico), tradutor de ``Grande Sertão", traduziu o famoso ``viver é perigoso" de Riobaldo. O comunismo não ameaça mais o americano. O americano desajustado e o fumante são as novas ameaças. ``Living is a fucking dangerous stuff".
Nosso Emerson Fittipaldi, ele mesmo, é a estrela do comercial das companhias de seguro que alerta os americanos para o aumento de roubos de carro. Diz Emerson: ``não deixem a chave na ignição, tranquem o veículo, instalem alarmes e não estacionem em vagas mal iluminadas".
Só mesmo um brasileiro para ensinar truques que qualquer patrício conhece. Deveríamos exportar tecnologia: de segurança e malandragem.

Você já deve ter percebido a fixação que o povo daqui tem por psicopatas. Basta ir à videolocadora mais próxima e examinar os últimos lançamentos. Antes, botavam a culpa nos homens do poder, que enfiavam jovenzinhos inocentes na selva vietnamita para combater inimigos invisíveis. Ninguém voltaria com todos os parafusos na cuca.
Agora, botam a culpa na rigidez do sistema, na falta de flexibilidade da Justiça: não pagar imposto dá cana, xingar alguém dá processo, plantar maconha no quintal faz perder a casa. Alguns malucos não aguentam e saem estourando miolos de criancinhas. E muitos os invejam, se identificam e torcem por eles.
``Apocalipse Now" foi o grande filme da década de 70. ``Blade Runner", da de 80. Os 90 chegam na metade e já têm seu candidato: ``Natural Born Killers", a recente investida de Oliver Stone, baseado em história de Quentin Tarrantino.
O filme mistura delírios e brutalidade. Um casal de psicopatas sai matando por aí. Vira notícia, capa de revista, motiva rebeliões e admirações. Fanzocas erguem cartazes: ``quero ser morta por vocês". E o que é loucura vira verdade.
Acaba o filme e o americano volta entupido de pipoca para sua vidinha miseravelmente sem ação. Quando quer animação, invade um país. A TV e o cinema seguram a onda por um tempo, até o próximo sair atirando, ``bum".

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