São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 1994
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Dietas cruéis

O ministro da Fazenda, Ciro Gomes, repetiu na semana passada um ritual já conhecido de outros ministros da Fazenda nos últimos anos: foi a público pedir à população que não consuma tanto, por exemplo, que não coma ou coma menos carne e, assim, ajude a derrubar os preços desse produto, que nas últimas semanas têm ajudado a acelerar a inflação.
Na mesma semana, entretanto, a Fazenda decretou medidas que dificultam as exportações de soda cáustica, ingrediente essencial na fabricação de produtos de limpeza. É que também se verificam pressões de alta dos preços nesse setor. Aliás, como mostrou reportagem da Folha, há sinais generalizados de que os níveis de consumo colocam a indústria numa encruzilhada. Para produzir mais é preciso encomendar mais matérias-primas e em vários setores, como papel e papelão, o resultado do aquecimento é escassez. Onde há escassez, ou seja, impossibilidade de aumentar rapidamente a oferta, o consumo adicional se traduz em aumentos.
Esse é um consumo reprimido durante anos pela própria inflação. Especialmente para as faixas de renda mais baixa, os mais de 30 milhões de miseráveis do Brasil, a inflação era um imposto cruel que deprimia continuamente os padrões de vida. Com a súbita queda da inflação, irrompem no mercado milhões de consumidores.
Além da irrupção desse consumo, os salários têm sido gradualmente corrigidos, a começar pelo salário mínimo. Parece portanto inviável, para dizer o menos, esperar ou apelar para a autocontenção de consumidores cuja renda está protegida contra a inflação.
A conclusão parece imediata, senão óbvia: o aquecimento da economia está colocando em risco a estabilidade de preços. Mais: não se trata apenas de consumo excessivo de alimentos, mas de aquecimento generalizado. Ou seja, não basta pedir que se coma menos, é preciso enfrentar o problema na sua dimensão macroeconômica maior.
O destino do plano de estabilização depende hoje muito mais da iniciativa do governo do que da disposição dos consumidores de fazer dieta pelo bem do país. Pedidos patéticos para que os já famélicos brasileiros comam ainda menos em nada contribuirão. Decisões antipáticas contra o consumo, entretanto, podem levar muitos consumidores a uma dieta de votos, no próximo dia 15 de novembro, nos candidatos identificados com o Plano Real.

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