São Paulo, terça-feira, 18 de outubro de 1994
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Puristas vivem reclamando

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O 9º Free Jazz certamente vai reativar uma polêmica quase tão antiga quanto esse gênero musical. A recente fusão do jazz com o rap e o hip-hop, premiada este ano com uma noite exclusiva no festival, levará mais uma vez os puristas de plantão a saírem em defesa do ``verdadeiro jazz".
Também foi assim no início dos anos 30, quando os adeptos do jazz tradicional de Nova Orleans e Chicago começaram a malhar o nascente ``swing". O mesmo aconteceu com o irreverente ``bebop", em meados da década de 40, tão logo a geração das ``big bands" percebeu que estava sendo passada para trás.
A gritaria soou mais forte ainda no início dos anos 60, quando o iconoclasta ``free jazz" destroçou quase todas as concepções de ritmo, melodia e harmonia cultivadas até ali. E, nem terminou essa década, os defensores do ``jazz de verdade" já estavam esbravejando de novo, dessa vez contra a fusão do jazz com o rock.
Os puristas se recusam a admitir o óbvio: o jazz nunca foi e jamais poderá ser música ``pura". Como esperar pureza de um gênero que já nasceu do encontro da música africana com a européia?
Essa vocação para as misturas com outros gêneros e estilos é uma questão de caráter. Nada mais coerente para uma música que, apoiada no improviso dos ``jazzmen", é recriada a cada instante.
O jazz vive em permanente mutação: já se misturou com a música clássica, com os ritmos afro-cubanos, com a música oriental e com o samba, entre inúmeras combinações. Por essas e outras, Joshua Redman é o protótipo do jazzista contemporâneo: toca qualquer estilo, sem preconceitos.
Claro que ainda é cedo para saber se a associação com o rap vai resultar em algo consistente, se essa será mais uma corrente duradoura na história futura do jazz. Mas não há dúvida que o jazz rap ajuda a diminuir o preconceito da geração mais jovem em relação ao jazz ``mainstream".
Para essa garotada, ver músicos de jazz improvisando ao lado dos rappers, como acontece nos shows do Us3 ou de Guru, pode ser didático. Quem sabe, ao ouvir melodias de Herbie Hancock e Thelonious Monk ou ao escutar solos de Donald Byrd e Courtney Pine, os fãs do jazz rap também se interessem pelos trabalhos individuais desses jazzistas.
O festival acerta em se abrir para o jazz rap, como já fez com o blues. Como outros festivais de prestígio no mundo, o Free Jazz percebeu que também é preciso investir no público de amanhã. Isso sim pode contribuir para a permanência do jazz. Bem mais do que a boa vontade dos puristas.

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