São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 1994
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Mostra abre com violência estilizada

DA REDAÇÃO

No cinema de hoje, toda violência se converte em estilo. ``Assassinos por Natureza", do diretor Oliver Stone, que abre hoje, às 20h, a 18ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, representa a visão mais extrema da estilização da violência que o cinema já produziu.
Stone oferece uma overdose de imagens que inclui cenas rodadas em 35mm, 16mm, super 8, vídeo, quadrinhos, plano cor e contraplano P&B. O impacto das imagens será amplificado pelo telão que a Mostra vai instalar no vão livre do Masp para a exibição da première.
O desfile de ``serial killers" em videoclipes de longa-metragem, de mafiosos em tiroteios com a coreografia de um balé prossegue, na Mostra, em filmes como ``Fervura Máxima", de John Woo (Hong Kong), ``Parceiros do Crime", de Roger Avary (EUA), e ``S.F.W.", de Jefery Levy (EUA), entre outros (veja quadro ao lado).
Nos anos 60, Sam Peckimpah e Sergio Leone já transformavam, com imagens em câmera lenta, a violência em espetáculo. Nos anos 70, Stanley Kubrick imprimia a velocidade dos quadrinhos em cenas de terror urbano.
Mas, na década de 90, a estética da violência contamina definitivamente as telas, centrada em bases tão díspares quanto o cinema independente americano e o cinema comercial de Hong Kong.
No país oriental, John Woo revoluciona os filmes de ação ao desobedecer regras da narrativa tradicional. Em 1993, o cineasta chega à Hollywood para dirigir o ator Jean-Claude Van Damme em ``O Alvo".
Subvertendo a lógica da dependência econômica, o cinema de Woo e de outros diretores chineses influencia uma nova geração de independentes americanos, encabeçada por Quentin Tarantino.
Tudo nos filmes de Tarantino remete diretamente a uma outra criação cinematográfica –a construção das situações, dos diálogos, a tensão que criam no espectador.
Nos filmes de Tarantino, quando um personagem cai morto sobre seu próprio sangue, centenas já caíram antes, da mesma maneira, em outros filmes. Sob a ótica e a criação de outros diretores. Piores ou melhores do que ele.
``Cães de Aluguel", estréia cinematográfica do diretor, foi acusado de plagiar cenas de ``City on Fire", do chinês Ringo Lam. Tarantino confessa que recria, em seus filmes, cenas de títulos obscuros, uma herança de sua formação em videolocadoras e em sessões de madrugadas na TV.
Mas, se Tarantino busca inspiração no cinema de Hong Kong, o próprio cineasta, com apenas dois filmes, se tornou referência quase obrigatória para a nova cinematografia americana.
Na Mostra, que não exibirá seu último filme, ``Pulp Fiction", o cineasta assina a história original de ``Assassinos por Natureza", a produção executiva de ``Parceiros do Crime", e faz uma ponta em ``Vem Dormir Comigo", de Rory Kelly.
A exemplo de Tarantino, grande parte dos cineastas americanos vêm buscando na mitologia pop, essencialmente na diversão e na violência produzidas pela TV, o cerne de suas obras.
Ao misturar Charles Manson, o psicopata que matou a atriz Sharon Tate, e O.J. Simpson, o ex-jogador de futebol suspeito do assassinato de sua ex-mulher, ``Assassinos por Natureza" tenta atender, no cinema, uma demanda pela violência na sociedade norte-americana.
Não a violência dos noticiários de TV, hiper-realista e acéfala. Nem dos filmes de ação, meramente hormonais.
O que esse cinema persegue é uma forma de transgressão, de elevar a hostilidade ao status de arte. E, assim, criar o impacto pelo excesso, seja na velocidade dos cortes de Oliver Stone ou na recriação da virilidade por um diretor como Roger Avary.
No universo imaginado por esses cineastas, mais do que um tema privilegiado, a violência se transforma em linguagem.

LEIA MAIS sobre a 18ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo à pág. 5-6

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