São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 1994
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Atenção ao câmbio

ANTONIO DELFIM NETTO

Um problema interessante sobre a taxa de juro recebida por quem tem posição em dólar quando o regime é de flutuação suja, desordenada e voluntariosa do câmbio é que os rendimentos em moeda estrangeira podem ser espantosos.
Por exemplo, quem colocou ou tinha um dólar no Brasil no dia 30 de junho, recebeu, no final de julho, a taxa de juro mensal de 17,5% em dólares, enquanto a taxa efetiva nominal em reais foi de 6,9%! Qualquer algebrismo é dispensável. O presidente é engenheiro e pode conferir diretamente.
Um dólar em 30 de junho valia um real, que aplicado à taxa de 6,9% ao mês, valia, no final do mês, 1,069. Como então um dólar valia 0,91 reais, em dólares, tínhamos (1,069)/(0,91) = 1,175 dólares! Somente à título de comparação, o mesmo investidor estrangeiro que quisesse obter essa rentabilidade em um depósito no seu banco em Nova York, que lhe remunera a 5% ao ano, teria que esperar quase 40 meses.
Quando o dólar cai de 0,86 reais para 0,82 e a taxa efetiva de juro nominal em real é de 3,8%, a taxa de rendimento em dólares é de 8,9% ao mês!
A fórmula é simétrica: qualquer valorização do dólar reduz dramaticamente o rendimento das posições em moeda estrangeira. Supondo, por exemplo, que a taxa de juros nominal efetiva é de 3,8% ao mês, se o dólar passasse de 0,82 para, digamos, 0,85, o rendimento em dólar seria nulo. E se o dólar se valorizasse para 0,90 a taxa de juro em dólar no mês seria de -5,5%!
Há duas semanas, o Banco Central abortou uma valorização de 1% classificando-a como ``especulação". Há dois dias ele ``puxou" o dólar 2,5%. Especulação de quem?
Está cada vez mais visível a imprudência da atual política cambial. Quem opera com dólares no mercado financeiro é a favor da valorização do real pela simples e boa razão de que isso aumenta o seu rendimento.
Ele está do mesmo lado do Banco Central, que adora e protege os ``papeleiros", mas odeia os produtores de parafusos ou de feijão, que estão sempre criando problemas com o juro, com o câmbio, com a oferta e com o emprego!
Fenômeno, aliás, que não é apenas nacional. Desde os anos 80, como disse o economista Stephen Rousseas, ``o mundo industrial foi colocado em segundo plano e a cauda do mundo financeiro parece estar balançando o cachorro econômico".
Em apenas 90 dias, o capital estrangeiro que estava aqui em 30 de junho aplicado em papéis financeiros (e quem antecipou a venda de câmbio) ganhou alguma coisa parecida com 40% em dólares! Não é por outro motivo que existe um ``mercado" de ACCs ``vazios" pagando ágio de 10% a 12% para os verdadeiros exportadores...
E o que se produziu para a economia nacional? Rigorosamente nada! Mas quem vai pagar essa taxa de retorno espantosa? Todos nós, sujeitos pacientes da ``modernidade científica"!
O povo dos dólares agradece comovido, sr. presidente!

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