São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Rio não é mais Brasil

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Um caso antigo que gostaria de lembrar justo no momento em que todos estamos chocados com as fraudes eleitorais no Rio. Deu-se que o escritor Álvaro Lins, mais tarde chefe da Casa Civil de JK e embaixador em Portugal, fez uma visita oficial à Suíça. No primeiro dia do programa haveria um tour à Vieille Ville –um ponto quente do turismo de Genebra.
Pela manhã, no hotel, Álvaro Lins lera nos jornais que aquele seria dia de eleição para o cantão e muito se admirou quando, andando pelas ruas, não viu filas, seções eleitorais, nada que indicasse o exercício cívico dos cidadãos. Perguntou ao guia que o acompanhava:
``Li nos jornais que haveria eleições, mas não estou vendo nenhum movimento." O guia sorriu e explicou que na Suíça tudo estava mecanizado. Mostrou uma espécie de relógio pendurado num poste:
``Está vendo aquela maquininha? O eleitor chega, digita o seu número, depois digita o número do partido e do candidato nos quais deseja votar. É simples!"
Álvaro Lins, pernambucano de Caruaru, sofrido em emocionantes lances da vida, arriscou a pergunta: ``E se um eleitor resolver votar duas vezes?" O guia estancou, perplexo, como se um raio o tivesse estraçalhado. Virou-se para Álvaro, o rosto devastado pelo horror:
``Mas... quem iria fazer isso? Quem?"
Álvaro percebeu a besteira e desculpou-se, evidente que nenhum cidadão suíço cometeria tão feia ação, no Brasil também era assim, o povo já estava amadurecido para a democracia, em Caruaru, por exemplo, as eleições eram um exemplo de dignidade cívica.
Bem, essa história tem uns 30 anos. Álvaro havia sido chefe de polícia em Pernambuco, antes de se tornar o maior crítico literário de seu tempo. Se hoje fosse vivo, estaria orgulhoso de seus conterrâneos em particular e dos brasileiros em geral –com exceção do pessoal do Rio.
Nossas eleições tiveram nível suíço. Podemos importar as tais maquininhas. Não haverá ninguém para fraudar a consulta ao povo –excluindo-se a degradada terra do Rio de Janeiro.

Texto Anterior: Fantasma também vai à escola
Próximo Texto: Atenção ao câmbio
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.