São Paulo, quinta-feira, 20 de outubro de 1994
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Devagar e de longe

Se a Rússia já é geograficamente distante, a viagem do presidente eleito pela terra dos czares está criando uma outra distância, mais difícil de superar. É uma distância política, um afastamento que as declarações de Fernando Henrique Cardoso só fazem aumentar.
O mais chocante nessas suas férias de Brasil é a pouca preocupação que o presidente eleito demonstra, apesar mesmo das medidas anunciadas ontem, em agilizar reformas estruturais que garantiriam a estabilização duradoura da economia. É certo que há dificuldades para fazer avançar alterações constitucionais ainda este ano. O tempo é exíguo e vários Estados ainda enfrentam o segundo turno para governador, o que pode esvaziar Brasília até o próximo mês.
De qualquer forma, como o próprio FHC já reconheceu, é preciso que haja uma ampla negociação para que a reforma constitucional chegue a bom termo. Ampla, no caso, é quase sinônimo de complexa e, portanto, deveria começar o quanto antes. Nesse sentido, deve-se perguntar o que o presidente eleito está fazendo do outro lado do mundo, quando poderia –deveria– já estar articulando os entendimentos necessários e sinalizando os rumos que planeja seguir.
O Brasil tem bons motivos para ter muita pressa. O Fundo Social de Emergência, que na prática tem um alto custo social, vigora ainda no ano que vem e tenta manter as contas equilibradas. Mas técnicos do governo já admitem que talvez não baste para zerar o déficit de 95.
Também é grave, na passiva tranquilidade com que FHC contempla o quadro político, o esquecimento de um crucial ingrediente: a inevitável perda de capital político que o tempo impõe ao futuro presidente, o único eleito no primeiro turno da história do Brasil. Esse formidável capital já começa a esvair-se.
Desde os problemas que vão surgindo com o real até o desgaste que sofrerá com a escolha do gabinete, tudo contribui –como é natural– para reduzir o momentum de FHC.
É preciso agir o quanto antes. Quem sabe se, contemplando as cúpulas da Praça Vermelha, FHC percebe que nem os czares podem dar-se ao luxo de esperar e olhar as crises à distância.

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