São Paulo, sábado, 22 de outubro de 1994
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Por uma política fiscal flexível

CELSO MARTONE

A Constituição de 88 consolidou o descalabro orçamentário e incentiva a irresponsabilidade fiscal
A construção de um regime fiscal moderno e eficiente só será possível mediante a solução de três problemas graves do atual sistema tributário:
a) tributos e contribuições em número excessivo, com altas alíquotas, de alta evasão e distorcivos das atividades econômicas;
b) um federalismo fiscal torto, que esvaziou a base tributária da União pelo aumento das transferências aos Estados e municípios, a maioria dos quais não tem interesse em explorar suas próprias bases tributárias;
c) vinculações excessivas da receita tributária a destinações específicas, que geram enorme rigidez orçamentária.
Esse descalabro tributário, consolidado e agravado pela Constituição de 1988 e emendas posteriores, tem estimulado a irresponsabilidade fiscal, especialmente dos Estados e municípios, cuja maioria passou a viver de transferências federais. Tem levado a União a introduzir impostos exóticos, não compartilhados, como o IPMF e a Cofins, estropiando ainda mais o sistema.
Tem distorcido a alocação de recursos dentro do setor privado, estimulado a ``informalidade" e reduzido a competitividade externa do país. Provavelmente também tenha ajudado a piorar a distribuição pessoal de renda, à medida que concentra a arrecadação sobre impostos indiretos.
Não há como corrigir esses problemas sem mudar a Constituição, pois a estrutura dos tributos, sua distribuição por níveis de governo, as transferências e as vinculações de receita estão todas nela expressas.
No final de 1993, a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), ligada à Universidade de São Paulo, fez uma proposta abrangente de reforma fiscal, sugerindo uma radical simplificação dos tributos, a definição clara da base tributária de cada nível de governo, a eliminação gradual das transferências federais para os Estados e municípios e o fim das vinculações de receita.
O estudo mostrou que se poderia construir um sistema baseado no Imposto de Renda (federal), no imposto sobre consumo final (estadual), no imposto sobre a propriedade (municipal) e num imposto seletivo federal sobre alguns produtos que gerasse uma receita de 22% do PIB, contra 19% com a parafernália hoje existente (excluídas as contribuições previdenciárias nos dois casos).
O caminho mais racional para a reforma tributária consiste em manter apenas princípios gerais em nível constitucional, remetendo a estrutura tributária, a repartição de receita e o federalismo para a legislação complementar e ordinária. Isso asseguraria a longevidade da Constituição e traria maior flexibilidade no desenho e execução da política fiscal ao longo do tempo.

CELSO L. MARTONE, 49, é professor titular do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo e pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

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