São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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Rossi quer vencer com `inconsciente coletivo'

NILSON DE OLIVEIRA ;REINALDO AZEVEDO
EDITORES-ADJUNTOS DE POLÍTICA

Se depender de Francisco Rossi (PDT), 54, a batalha contra Mário Covas pelo governo de São Paulo não será coisa deste mundo. Não, ao menos, deste mundo da consciência, onde se movem os eleitores. Rossi aposta no despertar do ``inconsciente coletivo" para vencer o candidato tucano.
Na psicologia, a expressão significa o conjunto de conteúdos ancestrais, que pertencem a toda humanidade.
Se o candidato do PDT estiver certo, um homem do Himalaia sentiria, sem perceber, que tem algo em comum com Rossi. O que não dizer do eleitor de Osasco ou da Grande São Paulo, onde ele teve sua votação mais expressiva?
Não chega a ser um juízo imodesto de si mesmo, posto que ele jura já ter operado prodígios como parar tempestades e desafogar o trânsito: ``Coisa do passado" (do tempo em que era membro de uma seita oriental), afirma o hoje evangélico candidato do PDT.
Rossi está certo de que programas de governo não ganham jogo. Prefere apostar em sua mensagem em defesa do cristianismo. Promete ``fechar o Estado para balanço" por uma semana, tomar ciência das finanças públicas e só então reunir um grupo para criar um programa de governo.
Sobre Mário Covas, insinua que este pode ter problemas de saúde e, cristão, diz ``orar" por ele, lembrando, claro, que o tucano já se declarou um ``católico que frequenta centros espíritas".
O candidato concedeu entrevista à Folha em seu escritório político, no centro de Osasco (Grande São Paulo). Durante uma hora e meia, não se exaltou, não alterou o tom de voz e respondeu com tonalidade pastoral a todas as perguntas. Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida na sexta-feira de manhã.

Folha - O sr. diz não ter programa. Não sabe, então, o que fazer se for eleito?
Francisco Rossi - Eu sei o que fazer a partir do dia seguinte à minha posse. Temos de romper com essa estrutura de poder que está montada aí, que não permite a participação da sociedade civil.
Eu não tenho é programa de promessas. Eu tenho de ter idéias acerca dos problemas. Programas de governo frustraram as pessoas.
Tenho um compromisso com o povo de São Paulo da libertação da opressão da falência dos serviços públicos. Eu quero governar com os princípios da ética cristã. Nos primeiros 90 dias da administração, vou compor uma comissão para elaborar o programa.
Folha - Quem não promete também não pode ser cobrado.
Rossi - Eu quero ser cobrado no fundamental. Eu quero ser cobrado na questão ética, moral.
Folha - Ética não é programa de governo, é obrigação.
Rossi - É obrigação, mas a sociedade civil padece justamente pela falta dessa postura.
Folha - O que isso significa?
Rossi - Ninguém sabe me responder, por exemplo, quantos funcionários há no Estado.
Folha - E além do funcionalismo?
Rossi - A transparência nas licitações. Você tem de colocar os inimigos compondo a comissão para que não haja possibilidade de direcionamento dos editais.
Folha - O que mais?
Rossi - A participação da sociedade civil.
Folha - O sr. se propõe a ser governador ou síndico de São Paulo? Um governador não precisa dar um direcionamento mais geral à administração, estabelecendo uma política de investimentos?
Rossi - Entendo o que você quer dizer. Governar São Paulo não é só administrar. São Paulo tem de liderar a modernização do Estado brasileiro.
Folha - E por que isso está ausente do seu discurso?
Rossi - Porque estará presente nesse segundo turno. O tempo de que eu dispunha nesse primeiro turno era exíguo. O espaço na imprensa foi quase nada.
Folha - O sr. teve tempo no horário eleitoral.
Rossi - Eu tive 1min59s. Você tem de falar alguma coisa que toque nas pessoas, que desperte o inconsciente coletivo. Não adianta detalhar programa de governo.
Folha - O voto é irracional?
Rossi - Não. É muito racional. O povo é sábio. Sabe que no momento em que as pessoas se apresentam falando em programa de governo estão caindo no lugar comum. Eu cumpri a primeira etapa. Vou manter o mesmo discurso, mas vou poder dizer mais.
Folha - Como o sr. qualifica esse discurso?
Rossi - Quando você propõe a participação da sociedade civil, você está propondo a modernização do Estado.
Grandes cabeças já tiveram a responsabilidade pela economia brasileira, e a coisa só fez piorar. Pessoas intelectualizadas, preparadas, com propostas extraordinárias... Nunca ninguém teve a vontade de dar maior participação à sociedade civil.
Folha - O sr. não acha esse discurso semelhante ao do ex-presidente Collor, a quem o sr. apoiou? Afinal, quem é contra a ética e a moralidade?
Rossi - Ninguém. A diferença está no passado de cada um.
Folha - Ambos apoiaram o regime militar por exemplo.
Rossi - Meu apoio ao regime militar é uma coisa vaga. Estive num partido que deu sustentação ao regime militar. Mas a minha presença na Arena foi resultado da camisa-de-força partidária.
Folha - Por que o sr. não escolheu a camisa do MDB?
Rossi - Eu era oposição ao poder local, que era do MDB. Fazia movimento estudantil. Quando percebi que tinha de participar do processo, procurei um partido. A Arena estava disponível.
Folha - Na sua oratória, há uma vocação mais pastoral do que política, embora o sr. seja um político bem-sucedido. É uma técnica de marketing?
Rossi - Falo o que está dentro de mim. A minha frase no movimento estudantil era ``Com Deus, venceremos". Deus é parte integrante da minha vida.
Folha - A mistura Deus e urna não é demagógica, uma armadilha para pegar incautos, que não percebem que política e religião são ações diversas: uma diz respeito à esfera pessoal, a outra à pública.
Rossi - Não separo Deus da minha vida. Ninguém vai poder dizer que não sabia. Eu sou eu. Aquilo que você vê e ouve é o Francisco Rossi de corpo inteiro. Não existe nada por trás.
Isso não é religião, é crença, é fé. Religião é uma placa pendurada num prédio. Deus é de todos.
Folha - É o Deus de seus adversários também?
Rossi - E dos meus inimigos. Eu aprendi com esse Deus que eu nunca posso pedir a Ele contra os meus inimigos. Me surpreende quando alguém fala da saúde do Mário Covas. Eu oro pela saúde dele com sinceridade (Covas já teve problemas cardíacos e implantou pontes de safena).
Folha - O sr. já disse à Folha que pára tempestade e abre trânsito com a mente...
Rossi - Já parei, no passado.
Folha - Existe alguma passagem bíblica que autorize alguém a dizer isso?
Rossi - Não. Mas não há quem não tenha vivido uma experiência no campo metafísico.
Folha - Eu nunca vivi.
Rossi - A maioria pelo menos viveu. Você pode não ter vivido, mas provavelmente tenha assistido a alguma experiência no campo da parapsicologia...
Folha - Infelizmente, não. Se o sr. disser que pode fazer aquelas coisas, eu gostaria de ver.
Rossi - Quem faz é Deus. Quando se vivem essas experiências, é um trecho do caminho que se passou até chegar a esse encontro definitivo com Deus.
No momento em que você aceita Cristo como seu único e suficiente salvador, entrega a sua vida a Ele e a Deus. Então o milagre passa sempre a ser de Deus. Em razão da opção que fiz por Cristo, jamais vou voltar a viver esses fenômenos. Tem uma passagem bíblica que diz: ``Quem está em Cristo nova criatura é", ou seja, é difícil explicar isso aí.
Folha - O sr. operava esses prodígios na sua fase não-cristã?
Rossi - É. Eu não gosto de me lembrar disso. A palavra de Deus veta essas coisas.
Folha - Houve profetas que teriam operado esses poderes. O sr. se acha um profeta?
Rossi - Absolutamente. Eu sou apenas uma coisa pequena, sem qualquer pretensão. Eu não tenho gana, ganância de ganhar. O poder é uma coisa passageira. Não posso falhar diante do povo ou de Deus.
Folha - Se não há ambição, há predestinação?
Rossi - Não. Não há ambição pessoal.
Folha - Mas o sr. é um político profissional, não é?
Rossi - Sou um político que trabalha para fazer o melhor possível. Se perder, ficarei feliz.
Folha - Nenhum político fica feliz ao perder uma eleição.
Rossi - Minha ida para o segundo turno já foi uma vitória. Se for do plano de Deus, ninguém tira essa eleição de mim. O poder temporal é algo sagrado. Vocês vão ver como funciona.
Folha - O sr. promete, se eleito, parar São Paulo, fazer um balanço. Como será?
Rossi - Baixo um ato colocando em recesso, por cinco dias, os órgãos da administração direta e indireta, com exceção dos serviços essenciais. São Paulo não vai ficar parado. Vai ser como um ponto facultativo.
Folha - Em cinco dias, o sr. terá todas as informações?
Rossi - Sim. Vocês vão se surpreender com o que acontecerá.
Folha - Mas a máquina independe de quem ocupe o governo.
Rossi - Eu não concordo com isso. O gigantismo da máquina é isso, gera descontrole. O governador exerce uma função apenas nominal. Não governa nada. Você vão ter surpresas extraordinárias.
Folha - Se o PMDB quisesse apoiá-lo, o sr. aceitaria?
Rossi - Não tenho como aceitar se digo que vou fechar para balanço o Estado governado pelo PMDB. Eu preciso me compor com líderes do PMDB que queiram me apoiar independentemente da cúpula partidária.
Folha - O apoio de Orestes Quércia seria bem-vindo?
Rossi - Há anos que não falo com ele. Se ele quiser votar em mim, o voto será bem-vindo. Agora, seguramente, na situação que estamos vivendo -na qual o eleitorado repudiou o partido político e repudiou os figurões da política nacional-, francamente, não me sentiria à vontade.
Folha - Mas as eleições mostraram um fortalecimento do PSDB e do PT. O PMDB se mantém como um partido forte. O próprio presidente eleito é um político profissional.
Rossi - O PT tem perfil de partido político. É um balaio de gatos, mas conseguiu passar uma idéia de partido para a população.
O PSDB foi beneficiado pelo Plano Real. Não vou enfrentar o plano no segundo turno. O meu adversário agora é o Covas. O simples fato de o povo não ter dado maioria ao Covas significa que repudiou um figurão.
Folha - O sr. acha que o mesmo Deus que o inspira também inspira Covas?
Rossi - Ele declarou que é católico e frequenta centros espíritas.
Folha - O sr. declarou possuir um patrimônio de US$ 1,9 milhão. Alguém com uma renda mensal de US$ 4 mil, se poupar a metade, levará 80 anos para acumular algo parecido. Como explica o patrimônio conseguido nesses anos de vida pública?
Rossi - A minha casa valia algo em torno de US$ 70 mil quando comprei. Se eu for vender, ela vale US$ 250 mil. Pela casa da minha mãe, paguei US$ 10 mil em 15 anos. Hoje, vale US$ 40 mil.
Outro bem que declarei, no valor de US$ 700 mil, corresponde à minha participação e de minha mulher na rádio (70%). Eu não paguei nada por ela porque é concessão (do governo).
O terreno da antena da rádio está avaliado em US$ 100 mil. É íngreme e sujeito a invasões. Se alguém quiser comprar por US$ 800 mil, vou vender por US 100 mil. É quanto vale. Além disso, tenho um apartamento no Guarujá e seis telefones.
Meu patrimônio é uma coisa que acumulei em vários anos porque sempre tive duas ou três atividades. Ganhei dinheiro como advogado. Hoje, tenho duas pequenas empresas, a rádio e a que faz a propaganda para a rádio.
Elas têm um faturamento de US$ 36 mil mensais e geram 46 empregos. Eu teria de ser sumamente incompetente se não tivesse tido a capacidade de comprar o que comprei.
Folha - A sua renda mensal hoje é de quanto?
Rossi - É basicamente a arrecadação da rádio. Mas eu tenho que pagar funcionários e dar a cesta básica. Devo ter uma disponibilidade de uns 10% do faturamento que revertem para mim. Dá algo em torno de US$ 4 mil.
Folha - O sr. pretende explorar na TV o eventual apoio do PT a Covas?
Rossi - Seguramente. Quero ver o Zé Dirceu (candidato derrotado do PT) explicar como foi parar no colo do PFL (que apóia Covas). Agora, boa parte dos eleitores do PT não vai seguir o que a cúpula decidir se o partido apoiar o Covas.

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