São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O resgate das ilusões perdidas

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

``Goldstein & Camargo" é o terceiro romance de Bernardo Ajzenberg. E também o melhor realizado. Desde a estréia com ``Carreiras Cortadas" (1989), passando por ``Efeito Suspensório"(1994), até o trabalho atual, o autor parece ter se concentrado na construção de um mundo ficcional próprio, na elaboração de uma linguagem pessoal. ``Goldstein & Ajzenberg" é o ponto de maturação e, simultaneamente, acena com a possibilidade de renovação deste processo.
Em ``Carreiras Cortadas" a amizade já aparece associada à esfera do trabalho. O roteirista de TV, Gregório Pâncreas, na busca de maior verossilhança, submete seus textos ao Delegado Moura. O eixo narrativo de ``Efeito Suspensório" repousa nas relações entre o economista Líbero Serra e o empresário Jonas Eleutério.
Pois bem, as peripécias textuais utilizadas nos dois primeiros romances visando uma aproximação de personagens tão diferentes, soava por vezes artificial. A articulação entre esfera da afetividade e e a do trabalho, que adquire um caráter emblemático no título –``Goldstein & Camargo"–, ainda não se apresentava para o autor como o verdadeiro objeto de suas reflexões.
``Goldstein & Camargo" é, em linhas gerais, um exercício de depuração. Através do narrador-sócio, Paulo Viena Camargo, ficamos sabendo como, apresentados e estimulados pelo professor de criminologia e direito penal, Duílio Refahi, Márcio Goldstein e Paulo abrem um escritório de advocacia.
Ambientado em São Paulo, o romance explora ao máximo a questão das etnias, unindo-as à memória dos espaços urbanos: ``Você já não subiu comigo a escadaria estreita e úmida do prostíbulo da Olga, perto do cemitério na rua da Consolação, Luca. Cada um com sua capa de couro preto pendurada num braço, éramos três garotos nervosos –três amigos meus da CIP, Luca, sabe o que é a Congregação Israelita Paulista?".
Outro ponto a ser destacado é que os três livros operam segundo uma espécie de ilusões perdidas, embutido em ``cortadas" e ``suspensório". A ficção não corresponde aos fatos assim como o amigo não encontra equivalência no sócio. Talvez esta seja a razão pela qual os relatos principiem pelo momento de crise, pelo desmoronamento da vida mediana e despretenciosa de seus personagens, pelas dissolução da sociedade.
Ao lado do resgate desta paisagem física e temporal, o fato de Bernardo abordar pela primeira vez suas raízes judaicas, dá a este livro um saldo bastante positivo. Diante desta ampliação do universo ficcional, a única resssalva fica por conta do desfecho da história. Por vezes, a passividade dos personagens contamina e se confunde com sentimento de fracasso e impotência de seus finais. Esta não é uma boa sociedade.

Texto Anterior: REVISTAS
Próximo Texto: Histórias breves da tragédia cotidiana
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.