São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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Histórias breves da tragédia cotidiana

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O título não é atraente, a capa consegue ser pior e, para complicar, o nome da autora lembra pseudônimo de romancista de província. Dito isso, após a leitura dos dez contos de ``O Fruto do Vosso Ventre", será difícil esquecer o nome desta jovem escritora mineira: Guiomar de Grammont.
Natural de Ouro Preto, formada em história, mestre em filosofia, atualmente leciona filosofia na Universidade Federal de Ouro Preto. Em 1991, lançou o livro de contos ``Corpo e Sangue". No ano seguinte recebeu uma bolsa da Fundação Vitae para escrever o romance ``A Casa dos Espelhos". Por fim, em 93, ganhou o Prêmio Casa de las Américas, justamente com os contos desse ``O Fruto do Vosso Ventre".
A força de suas histórias reside na capacidade de mesclar mitologia e cotidiano. A presença do primeiro chega a ser ostensiva. A própria autora, a partir de alguns títulos –``O Diário de Medéia" ou ``A Górgona"–, procura estabelecer vínculos entre o destino de seus personagens e a trama arcaica das tragédias gregas.
Os melhores contos do livro são breves e destrutivos. Neles o destino trágico dos personagens encontra sua matéria na sexualidade: incestos, traições, vinganças e culpas. Guiomar lembra, tanto nos temas como no estilo, a prosa cruel e a atmosfera dramática de Nelson Rodrigues.
Em ``Mortalhas", por exemplo, demonstra a mesma habilidade do autor de ``Álbum de Família" para armar cenas simultâneas, introduzir de maneira direta e grotesca, a confissão desagregadora: ``Comecei a andar com todos os homens da rua. Dormi com todos, mãe, com todos, um após o outro. O primeiro foi o Domingues, tá lembrada? Aquele velho babão, de bigodinho, o nosso senhorio. Eu deitei com ele, mamãe, deitei menina, treze anos, meninazinha assim. Eu apareci na porta. Ele disse: `Vem cá, menina. Elza, Elzinha, vem cá'. Dei meus peitinhos pra ele. Branca, branquinha, hostiazinha. Eu. Pro Domingues Babão".
Mas, nem sempre o tom é esse. Por vezes, as histórias de Guiomar substituem o desejo de desmascaramento, a condição trágica da existência por um realismo feito de anotações cotidianas e triviais. Neste ponto, outro nome que deve ser citado é o de Dalton Trevisan. Em ``O Orgasmo"e ``Os Vampiros" a atmosfera atormentada e dramática cede espaço às pequenas misérias morais, à vidinha classe média e ao apequenamento das relações amorosoas. Entretanto, divergindo de Dalton, seu olhar vê tudo sob um filtro feminino.
É importante frisar que tanto Nelson Rodrigues quanto Dalton Trevisan, mais do que influências, sugerem um ar de família. Apesar da estréia, surpreendente e original, Guiomar parece não ter atingido, ainda, toda a complexidade da psicologia trágica de seus personagens. Mas o futuro dos frutos não é amadurecer?

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