São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Polêmicas que vêm do espaço

Descobertas reforçam teorias de Fred Hoyle

HUMBERTO SACCOMANDI
DA REPORTAGEM LOCAL

O astrofísico britânico Fred Hoyle, um dos cientistas mais controvertidos deste século, volta a ganhar destaque, aos 79 anos. Por três motivos:
1. O anúncio de uma nova estimativa para a idade do Universo (cerca de 9 bilhões de anos, e não 15 bilhões), um golpe à teoria do ``big bang", da qual Hoyle é um dos maiores críticos.
2. A recente descoberta de uma molécula de glicina (aminoácido, uma molécula orgânica) no espaço. Hoyle acredita que a vida na Terra veio do espaço.
3. Acaba de sair no Reino Unido a sua autobiografia (``Home is Where the Wind Blows","Lar é onde Sopra o Vento").
Hoyle vive há 22 anos como cientista independente. Em 1972, rompeu com o Instituto de Astronomia de Cambridge, que dirigia.
Além de suas idéias polêmicas, ele é co-autor de uma importante descoberta da física: a identificação das reações nucleares que dão origem aos elementos químicos.
Hoyle falou à Folha por telefone. Na entrevista, ele afirma que doenças que surgem na Terra também podem ter origem espacial.
Folha - Por que o sr. decidiu escrever uma autobiografia?
Hoyle - Há muito tempo pediam que eu relatasse os fatos que marcaram a minha vida. O século 20 foi um grande período para a ciência, especialmente a primeira metade. Sou uma das poucas pessoas vivas que teve contato com os grandes cientistas daquele período.
Folha - O sr. procurou evitar uma linguagem técnica?
Hoyle - Sim. Omiti coisas que a pessoas não entenderiam, passagens sobre a evolução das estrelas, a origem dos elementos químicos, detalhes de cosmologia. Segundo meu editor, cientistas que usam linguagem técnica não têm muita leitura. Dei mais destaque ao aspecto histórico.
Folha - Como é a vida de um cientista independente?
Hoyle - Difícil. O modo como a ciência está organizada não nos favorece. 20 anos atrás havia mais dinheiro para a educação e demanda por cientistas independentes. Hoje as universidades mal podem financiar suas atividades. Sobra pouco para quem é de fora. Acho que minha situação se parece com a vivida, 200 anos atrás, pelos primeiros músicos que decidiram não trabalhar para a nobreza.
Folha - Mas há vantagens?
Hoyle - Você pode ter sua opinião própria e ignorar a opinião da maioria, ser imparcial em temas polêmicos. Numa universidade você é levado a seguir a opinião dominante. Já me disseram que as únicas pessoas totalmente confiáveis em assuntos científicos são as que podem se manter sozinhas.
Folha - Isso não contraria a visão imparcial da ciência?
Hoyle - Isso acabou quando os governos começaram a investir muito em pesquisa. Em astronomia, por exemplo, há grupos rivais trabalhando numa mesma linha e que disputam para ver quem publicará primeiro os resultados.
Para serem os primeiros, publicam cedo demais resultados não comprovados. Eles deliberadamente se arriscam a errar só para serem os primeiros. É uma guerra desesperada para obter os financiamentos.
É claro que há divergências genuínas. Atualmente há dois grupos que divergem sobre a idade e o tamanho do Universo. Seus estudos são bem controlados. Eles só partem de pontos de vista distintos.
Como o sr. recebeu a descoberta de uma molécula de glicina no espaço?
Hoyle - Não é uma prova da minha teoria, mas é um caminho. Agora pode-se supor que haja outras formas de aminoácidos no espaço.
Folha - Qual seria o próximo passo para provar sua teoria?
Hoyle - É difícil coletar material no espaço. É mais fácil pesquisar a evolução das doenças humanas. É comum surgirem doenças que nunca existiram. Hoje mesmo li que há um surto de uma nova doença viral em cavalos.
Houve, há alguns anos, um caso interessante de uma mesma doença que afetava focas da Sibéria e focas do mar do Norte, grupos distintos.
Deve-se explicar como essa nova doença surgiu simultaneamente em lugares diferentes. É fácil, admitindo que veio da atmosfera.
Mas os biólogos estão tão convencidos de que esta idéia é errada que nem a pesquisam. Dizem se tratar de mutação genética, mas sem provar isso.
Folha - Uma nova idade do Universo afeta a sua teoria?
Hoyle - Não. Podemos facilmente incorporar essa estimativa à nossa teoria, pois não acreditamos que o Universo tenha um começo.
Já essa nova idade não bastaria para que certos eventos relacionados ao ``big bang" pudessem ocorrer. Mas é preciso confirmar essa dado. Há vários modos de se estimar a idade do Universo, que dão resultados diferentes, e não sabemos qual é o mais correto.
Folha - O sr. crê numa `estrutura intelectual do Universo', idéia oposta à difusão do caos?
Hoyle - Sim. Acho que as leis da física não são aleatórias. Elas têm consequências tão profundas que eu duvido que se pudessem ter sido produzidas sem o conhecimento das consequências que teriam. Eu tenho de acreditar que, de alguma maneira, as leis e suas consequências estão relacionadas.
Folha - Isso não coincide com um certo pensamento religioso?
Hoyle - A conexão é que eu acredito que deve existir algum significado no Universo. Isso não quer dizer que eu compartilhe as opiniões do papa sobre o assunto.

Texto Anterior: PINGUINS ; SEM PÓLO SUL ; SAMARITANOS
Próximo Texto: O UNIVERSO EM QUATRO TEORIAS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.