São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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Bosman é o super-herói da guerra da Bósnia

EMMA DALY
THE INDEPENDENT

Mais rápido do que Batman e mais corajoso do que o Super-homem, ele vem das ruas de Sarajevo, onde balas perdidas são um perigo diário. Ele é protegido por um sentimento de premonição e uma roupa à prova de ataques nucleares, porque "todas as armas são fracas em comparação com a justiça e a verdade".
Apesar de seus poderes especiais, ele é um sujeito comum que veste uma roupa indestrutível com uma flor-de-lis, o emblema heráldico da Bósnia, no peito. Ele é Bosman, o herói da primeira história em quadrinhos publicada em Sarajevo desde o início da guerra.
Bosman enfrenta perigos que já são conhecidos dos habitantes da capital bósnia. A intenção de seus criadores é que ele retrate o homem comum bósnio, passando tempo nas trincheiras e combatendo os extremistas sérvios bósnios.
"Bosman é um símbolo das pessoas que sobreviveram a esta guerra, um símbolo das pessoas que se opuseram à besta e que lutaram armadas apenas de fuzis", disse Enes Pehlivanovic, que trabalha na produção dos quadrinhos. "Sua história não é um conto de fadas".
As aventuras de Bosman têm início quando ele vê nacionalistas sérvios bósnios, equipados com tanques iugoslavos, planejando um ataque a Sarajevo. No fim do primeiro número a cidade já se aproxima da guerra.
Mas as proezas de Bosman não inspiram uma reação unânime entre os adultos de Sarajevo, para quem o humor autocensurador é quase uma expressão artística. Longe de enxergarem Bosman como seu alter ego, muitos reagem a suas façanhas com gargalhadas desatadas.
"É verdade, somos heróis", disse um soldado bósnio, procurando conservar a seriedade. "Mas eu não me acho parecido com esse cara. Ele parece uma cópia do Batman ou do Super-homem. É o mesmo sujeito, só que o colocaram em nosso ambiente".
Um dos criadores de Bosman, que preferiu manter-se anônimo, disse que as divergências sobre o personagem ainda não foram resolvidas. Com um maxilar quadrado como o de Clark Kent, o Super-homem, e uma expressão pedante, "ele sequer tem cara de bósnio", disse. "As crianças que conheço acharam a história muito ingênua, com algumas situações ridículas. São crianças que vivem aqui e que têm total familiaridade com a realidade".
Uma carta de um jovem fã está pregada na parede do escritório em que Bosman é desenhado, um ex-salão de bilhar. "Sou refugiado de Vogosca (em mãos sérvias). Fico feliz de ter te conhecido e quero te parabenizar por tua vitória sobre o mal", escreveu Denis, 12 anos.
"Eu queria que você fosse a Vogosca e matasse todos nossos inimigos. Meu pai está no monte Igman e não tenho notícias dele".
Infelizmente os acontecimentos contra os quais Bosman reage e os bandidos que combate são inteiramente reais. O apito de uma bala, o metralhar de um rifle Kalashnikov e o estrondo de um tanque do Exército iugoslavo são sons muito conhecidos dos leitores de Bosman. Foi isso que seus criadores pretendiam: que transmitisse uma mensagem dura às crianças.
"Esta guerra se abateu sobre nós. Ninguém estava preparado para ela", disse Pehlivanovic, que antes trabalhava para o jornal diário de Sarajevo, o "Oslobodenje". "Quando sacamos fuzis ou pistolas diante de nossas crianças não é por acharmos que elas devem brincar com armas, mas que talvez precisem estar preparadas para a próxima guerra".

Tradução de Clara Allain

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